domingo, 26 de dezembro de 2010

Da nossa história…(11)

A capacidade afirmativa dos Escoteiros de Portugal

Depois das modificações produzidas na estrutura associativa e apesar da década de 30 vir a ser fortemente marcada pelos graves acontecimentos que assolaram a Europa, após a subida de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, que levaram à eclosão da Segunda Grande Guerra, em 1939, a AEP viveu um período de prestigiosa expansão e grande actividade nacional e internacional, nomeadamente na primeira metade desta década, isto é, até à criação da Mocidade Portuguesa, movimento nacionalista, sob tutela do governo, que pretendeu substituir o Escotismo.

Não podemos, pois, deixar de referenciar algumas dessas principais actividades:

Criação da Organização Escotista de Portugal
Por pressão da Organização Mundial do Escotismo, a Associação dos Escoteiros de Portugal e o Corpo Nacional de Scouts, retomaram em 1932 as conversações, que haviam sido iniciadas em Março de 1928, dando lugar a diversas reuniões das partes, que levaram à constituição de uma comissão, que esteve em alguns Ministérios e chegou a ser recebida pelo Presidente da República, que elogiou os escoteiros pelo exemplo de concórdia que davam ao país, a Federação não chegou a ser constituída.

Passada a crise que dominara a vida da AEP, reataram-se as conversações, mas agora sob a égide do Governo, que se mostrou parte interessada no processo. Uma comissão constituída por dr. Dinis Curson e dr. Fausto Salazar Leite, pela AEP rev. Avelino Gonçalves e dr. Silva Passos, pelo CNS e dr. Braga Paixão, que presidia, designado pelo Ministério da Instrução Pública, produziu o documento que levou à criação da Organização Escotista de Portugal, aprovada pelo Decreto nº. 21434 de 29 de Junho de 1932, e publicado no Diário do Governo de 1 de Julho.

II Acampamento Nacional
Teve lugar em Carcavelos, de 8 a 22 de Agosto de 1933, na Quinta Nova, cedida pelo Cabo Submarino e constituiu um verdadeiro êxito a primeira actividade de âmbito Nacional após a remodelação associativa. Estiveram presentes escoteiros de todo o país continental e das Ilhas Adjacentes. Intitulada de “campo de férias”, a actividade foi bem organizada, bem dirigida e decorreu da melhor maneira escotista, reunindo o aplauso unânime de quantos nela participaram.

Enquanto decorria este Acampamento Nacional, realizava-se em Godollo, na Hungria, o IV Jambori Mundial. Foi enviada, em nome dos escoteiros acampados, uma mensagem a Baden Powell, cuja resposta foi recebida treze minutos depois. Se tivermos em conta a velocidade das comunicações naquela época, podemos avaliar o que essa resposta revelou de prestigiante para os escoteiros portugueses.

II Conferência Nacional de Dirigentes
Durante o Acampamento, de 18 a 20 de Agosto, reuniu a Conferência de Dirigentes, que fez alterações ao Regulamento Geral, recomendou a realização de actividades gerais de dois em dois anos, distinguiu o comandante Álvaro de Melo Machado com o título de Escoteiro Chefe Geral Honorário, elegeu a Comissão Permanente e tomou outras decisões de interesse para o Movimento. De facto, a AEP parecia encetar um novo surto de progresso.

Depois desta Conferência a Comissão Executiva ficou constituída por dr. Fausto Salazar Leite, António Ferreira da Silva, Rui Santos, Alexandre Correia e Raul Nolasco.

IV Jambori Mundial
Decorreu em Agosto de 1933, em Godollo, na Hungria, com a presença de 3000 escoteiros, representando 32 países. Portugal, pela primeira vez, não esteve representado oficialmente, comparecendo como visitante o dr. Manuel Gomes dos Santos, grande entusiasta do Escotismo, que vinha desempenhando diversos cargos associativos e viria a ser presidente da Comissão Executiva da AEP.

Esta ausência de uma delegação portuguesa foi por muitos interpretada como prova sintomática da inutilidade da Organização Escotista de Portugal, facto que se reconhecia igualmente lá fora. Em 1935, Portugal esteve de novo ausente na VIII Conferência Mundial, que se realizou em Estocolmo. Por esse motivo, foi feita a seguinte comunicação à Secretaria Mundial: “tenho o desgosto de vos comunicar que a organização inter-federal de Portugal, sob a égide do ministro da Instrução Pública, não deu resultados satisfatórios, e que temos tido grandes dificuldades em nos mantermos em contacto com uma das associações. O nosso comité que estude com cuidado a situação”.

É pena que ao transcrever esta comunicação, Eduardo Ribeiro não tenha esclarecido a sua autoria, nem referido qual a associação referida, nem quaisquer consequências da mesma, pelo que temos de nos ficar com o facto em si mesmo, já que não foi possível obtê-lo de outra fonte.

Fundação do Grupo nº. 13 na Sociedade de Geografia
Resultado do dinamismo adquirido após a remodelação das suas estruturas, verifica-se novo empenhamento da AEP na criação de novos grupos. Em 6 de Dezembro de 1933, escoteiros e numeroso público assistem a uma sessão solene na Sociedade de Geografia de Lisboa, a marcar a inauguração do novo Grupo n.º 13, na qual Antero Nobre, prestigiado dirigente escotista, fez uma brilhante conferência com o traçado histórico do Escotismo em Portugal. O Grupo n.13 ficou instalado naquela Sociedade por algumas dezenas de anos.

A II visita de Baden Powell a Lisboa
No dia 12 de Abril de 1934, cerca das 8 horas da manhã, atracava ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos a paquete “Adriatic”. A bordo viajava Lord Baden Powell, acompanhado de 700 dirigentes do Escotismo e Guidismo britânicos, já de regresso a Inglaterra após uma viagem por diversos portos do Mediterrâneo. B.P. era aguardado por dirigentes do Escotismo e Guidismo de Portugal, que subiram a bordo para cumprimentar o Chefe Mundial, mas este estava impossibilitado de os receber, por se encontrar doente. Foram recebidos por sir Percy Everett, um amigo de B.P. e seu colaborador desde o acampamento de Brownsea, no qual participou, em 1907.

Com a colaboração dos Rotários de Lisboa foi possível dispor de uma frota de automóveis, que levou os visitantes a Sintra e ao Estoril. Mais tarde, concentraram-se em S. Pedro de Alcântara com os Escoteiros de Portugal, os do Corpo Nacional de Scouts e as Guias de Portugal e, ainda, os Adueiros de Portugal, formando um grande desfile, aberto pela banda da Casa Pia, seguida dos “scouts” e “guides” britânicos e logo pelos escoteiros e guias portugueses, que seguiu na direcção da Praça do Município e, logo depois, até ao cais da Rocha, sempre aplaudidos por numeroso público que abria alas à sua passagem.

De novo frente ao “Adriatic”, ouviram Lady Baden Powell expressar a sua satisfação e do Chefe por se encontrarem em Portugal, acrescentando: “Fiquei encantada ao ver o vosso desfile, não só pelo vosso bom aspecto, mas pelo que esse desfile representa”.

Surge então Baden Powell, fazendo ouvir-se através da instalação sonora montada: “Irmãos escoteiros, quero dizer-vos quanto sinto não ter podido desembarcar e visitar-vos na vossa cidade”, acrescentando com o seu habitual humor “arranjei um médico muito ríspido e uma enfermeira que me obrigam a executar as suas ordens. Quero agradecer terdes vindo aqui para me verdes. Há cerca de quatro meses que estou doente e esta é a primeira vez que envergo o meu uniforme, para me apresentar aos escoteiros portugueses. Tive grande prazer em ver tão grande multidão de escoteiros com tão bom aspecto. Desculpai-me não falar português, mas prometo ir aprender o vosso idioma, assim que chegar a Inglaterra, para que o possa falar quando aqui voltar outra vez”.

O presidente da Organização Escotista de Portugal, dr. Braga Paixão, saudou B.P. em nome dos escoteiros portugueses, que saudaram o Chefe Mundial com uma estrondosa ovação.

O Rádio Clube Português havia assegurado a cobertura radiofónica e a Companhia dos Telefones garantiu uma ligação até ao estúdio, pelo que tudo que ali aconteceu foi transmitido a todo o País, o que constituiu verdadeiro acontecimento. O antigo dirigente escotista Alberto Lima Basto, assegurou a locução e tradução do evento.

A Associação dos Escoteiros de Portugal distinguida com a Ordem de Benemerência
Em 2 de Julho de 1934, em sessão solene realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa, o tenente Carvalho Nunes, em representação do Chefe do Estado, colocou na bandeira dos Escoteiros de Portugal as insígnias da Ordem de Benemerência.

À cerimónia, a que assistiram muitos escoteiros e guias, presidiu o representante do Chefe do Estado, ladeado pelo dr. Braga Paixão presidente da OEP, dr. Sá e Oliveira presidente da AEP e Pais Ferreira pelo CNS.

III Acampamento Nacional
No início de Setembro de 1934, a AEP resolveu fazer o seu Acampamento Nacional no Porto, onde se iria realizar, entre 9 e 21, a Exposição Colonial, no Palácio de Cristal. Para ali se deslocaram escoteiros de todo o continente e ilhas, numa expressiva adesão.

Por dificuldades de espaço, os escoteiros não puderam acampar, como previsto, nos jardins do próprio Palácio de Cristal, mas num pequeno bosque do Colégio Nuno Álvares, na Rua do Heroísmo. Os fogos de conselho deste acampamento foram notáveis, agradando ao numeroso público que a eles assistiu, distinguindo-se a Região do Algarve, sob a chefia de João Trigueiros, cujas canções alegres muito animaram as festas.

No domingo, os escoteiros efectuaram um grande desfile, que atravessou a ruas do Porto até ao local da exposição, onde formaram em parada e o dr. Manuel Gomes dos Santos, presidente da Comissão Executiva, fez um vibrante discurso perante grande multidão.

Este Acampamento Nacional foi uma actividade para confirmar que os Escoteiros de Portugal estavam em franco desenvolvimento e progresso.

Festa da Mocidade, promovida pela AEP
Na Primavera de 1935, teve lugar, na Sala de Portugal da Sociedade de Geografia, a “Festa da Mocidade” promovida pela Associação dos Escoteiros de Portugal, com a presença de centenas de escoteiros e duas centenas e meia de scouts do CNS. Presidiu o Chefe do Estado que acendeu o simulacro de fogo de conselho. Foi uma festa notável, com assistência que enchia as galerias e que teve grande repercussão na Imprensa, que nessa altura dava muita atenção às actividades escotistas.

Concurso interpatrulhas, do jornal “Sports”
Antero Nobre, secretário geral da AEP, mantinha regularmente uma secção escotista neste jornal, que, por sua iniciativa, realizou em 14 de Abril de 1935, nas instalações do “Jockey Club”, no Campo Grande, um concurso inter-patrulhas, no qual participaram os grupos 2, 7 e 9 de Lisboa.

Conferência Nacional de Dirigentes
Em 28 de Junho de 1935 teve lugar uma reunião geral de chefes, à qual compareceram dirigentes de Lisboa, Lagos, Portimão, Faro, Olhão, Beja, Montijo, Figueira da Foz, Porto e Valença do Minho. Foram aqui eleitos o dr. Armindo Monteiro, para presidente da Associação e dr. Pedro Teotónio Pereira, para presidente da Comissão Executiva. O primeiro era ministro dos Negócios Estrangeiros e o segundo desempenhava também importante cargo público. A AEP procurava couraçar-se perante perigos que a ameaçavam mas, por outro lado, substituía verdadeiros dirigentes por figuras ligadas ao regime.

Mas a AEP continuava muito activa e em Agosto desse ano voltou a realizar um acampamento de férias, num pinhal do Estoril, junto ao Casino, que teve bastante concorrência dos grupos da Região de Lisboa e foi considerada uma boa actividade.

Semana do Escoteiro “Z”
Vivia-se já uma época em que dominavam as preocupações de uma guerra iminente e, com elas, as ideias de defesa organizada das populações. Algumas unidades escotistas começavam a sua preparação nesta área. Em 5 de Abril de 1936, o Grupo nº. 16 de Carcavelos inaugurava no Grémio Alentejano, a 1ª Semana Portuguesa “Z”, actividade inédita como divulgação dos sistemas de defesa passiva. Uma exposição de material de defesa e uma série de conferências, onde usaram da palavra individualidades especializadas no assunto, fizeram desta actividade um acontecimento local, tendo a exposição, onde também colaborou a 1ª Companhia de Guias, sido visitada por milhares de pessoas, depois da sua inauguração pelo Ministro do Interior.
Este Grupo, atingiu naquela época um grande desenvolvi-mento, sob a chefia do tenente Serafim Prazeres, sendo o dr. Manuel Marques da Mata, médico muito respeitado na localidade, o presidente da Comissão Executiva.

O Jubileu dos Escoteiros de Portugal
O ano de 1937 foi dedicado ao Jubileu do Escotismo em Portugal. Considerando que os primeiros Grupos haviam sido fundados em 1912 o Movimento completava, portanto, 25 anos em Portugal.

Ignoramos se propositadamente, esquecia-se assim a existência do Movimento em Macau em 1911 e a possibilidade de ter existido Escotismo em Coimbra, mesmo antes daquela data, a serem credíveis as noticias sobre as acções do dr. Leite Jr. Por outro lado, o reconhecimento oficial da AEP data apenas de 1913.

A inauguração oficial das comemorações, foi feita em 13 de Janeiro pelo capitão Afonso dos Santos, recém investido nas funções de comissário nacional, ao receber na sede central as chefias dos Grupos de Lisboa, perante quem prestou o seu compromisso de honra.

A cerimónia comemorativa realizou-se, em 23 de Abril, na Sociedade de Geografia e constituiu mais uma importante jornada para o Escotismo Português. Esteve presente numeroso público, bem como delegações das Guias de Portugal e do Corpo Nacional de Escutas (assim passara a chamar-se o Corpo Nacional de Scouts, a partir de Agosto de 1935), além de um numeroso contingente dos Escoteiros de Portugal

1 comentário:

Manuel disse...

Um Novo Ano Próspero com Saúde e Paz!
Quando em 1932 entrei para o Liceu Camões, inscrevi-me no seu Grupo de Escoteiros - o nº12. Mas já vinha desde os 8 anos a acompanhar meus irmãos mais velhos, que eram escoteiros do Grupo 7, na Rua Luciano Cordeiro. Lembra-me que com o Grupo 7 acampei na Quinta do Senhor da Serra, em Belas, onde aprendi tantos ensinamentos úteis para a minha vida futura! Recordo tambem que acompanhava, como "lobito", os escoteiros adultos, que eram chamados para ajudar os serviços de socorro a acidentes; o Grupo 7 tinha nessa altura um carro que era por nós puxado...
Com o aparecimento da Mocidade Portuguesa, onde fui obrigado a inscrever-me, deixei de acompanhar os anteriores companheiros escoteiros!
Tenho muitas saudades da minha infância de escoreiro!
Saudações afectuosas do
Manuel Machado Sá Marques