domingo, 30 de janeiro de 2011

Da nossa história…(13)

Escotismo fica sujeito à tutela da Mocidade Portuguesa - apoiado na "História dos Escoteiros de Portugal" de Eduardo Ribeiro.

Não eram de todo agradáveis as perspectivas que se apresentavam ao Presidente da Comissão Executiva, dr. Alfredo Tovar de Lemos, o prestigiado dirigente associativo que nos anos vinte operara uma verdadeira transformação da AEP, promovendo o seu desenvolvimento e prestígio nacional.

Os Escoteiros de Portugal haviam ultrapassado, com algum brilhantismo, a primeira prova de força a que haviam sido submetidos, mas o Escotismo, apesar de continuar a ser visto pelo público com muita simpatia, era apenas tolerado e olhado com desconfiança pelo Governo que, apesar do grande empenhamento e das elevadas somas gastas nos programas de instalação da Mocidade Portuguesa, a organização nacional de enquadramento político que arrastava multidões de adolescentes, obrigados a participar nas suas actividades, que se colavam às obrigações escolares, sem motivação e sem alma. Era já uma organização moribunda, vestida rigorosamente pelo figurino do nazismo alemão, onde apenas as especialidades como a vela, hipismo, escola de aviação e outras actividades do género (disputadas pelas classes privilegiadas), conseguiam atrair os jovens de mais idade.

Este clima não ajudava a desenvolver o Escotismo, que continuava a sofrer perseguições e agravos, sem qualquer acompanhamento da imprensa que reduzia o seu noticiário ou o escondia nas páginas mais discretas.

O dr. Tovar de Lemos não conseguia criar as condições para aplicar as suas excepcionais qualidades de dirigente escotista, tal como já o fizera vinte anos antes. Até porque em 17 de Fevereiro de 1939, surge o Decreto n. 29453, que no seu artigo 36º, determina: “à data da entrada em vigor do presente decreto, consideram-se extintos todos os grupos de escoteiros existentes nas colónias”.

Nas colónias portuguesas estava-se então verificando o acentuado crescimento das actividades escotistas, podendo calcular-se áquela data a existência de largos milhares de escoteiros, membros das duas associações, AEP e CNE. Só em Moçambique, onde o competente e activo dirigente capitão Ismael Mário Jorge ocupou o cargo de Comissário Regional desde 1929 até à extinção, um relatório oficial referia que o censo de escoteiros naquela colónia era o seguinte: Lourenço Marques -2300; Beira – 1100; Namacha – 380; Inhambane – 100; Diversas localidades – 300; total 4180.

Soube-se depois que outro decreto idêntico estivera preparado para entrar em vigor em Portugal (Continente e Ilhas), mas não chegou a ser publicado, ignorando-se se im-pedido pelas mesmas influências de acontecimentos anteriores. Sabe-se apenas que existiram contactos de escoteiro de muito prestígio e que também o Cardeal Cerejeira se terá interessado pelo assunto. De certo, sabe-se apenas que Salazar não assinou o decreto já redigido. E o Escotismo continuou em Portugal… ainda que com todas as dificuldades e numa situação bastante indefinida.

O Acampamento dos Centenários
Um acampamento Nacional, teve lugar em Setembro de 1940, em Lisboa, em terrenos anexos ao Hospital Colonial, na Junqueira. Foi chamado dos centenários por se come-morarem nesse ano o 8º Centenário da fundação da nossa nacionalidade e o 3º centenário da restauração da independência.

O acampamento realizou-se naquele local para ficar perto da exposição do Mundo Português, situada nos terrenos de Belém, à qual os escoteiros tinham garantido serviços de apoio cívico.

Estiveram presentes escoteiros do Norte, Centro e Sul do país, mas as condições do local não se adaptavam a uma actividade daquele tipo, pelo que o acampamento não alcançou grande nível, valendo aos escoteiros o clima de festa que se fazia sentir naquele local e a grandiosidade da exposição a que tiveram a oportunidade de assistir.

Novos rumos
Com o decorrer dos anos, tornara-se evidente que a Mocidade Portuguesa não conseguia mobilizar o entusiasmo dos jovens nem conquistar a simpatia da população em geral, independentemente da facilidade com que recrutavam os seus filiados, inscrevendo obrigatóriamente todas as crianças e jovens que frequentavam as escolas primárias e secundárias do país. A arrogância e fanatismo político dos seus dirigentes, perturbava e corroía o ambiente social.

Os grupos de escoteiros sofriam o peso desse ambiente e confrontavam-se constantemente com as dificuldades e afrontamentos que recebiam dos agentes governamentais e só os chefes mais ousados e com elevada estatura moral e cívica, insistiam em praticar o Escotismo e a resistir à constante pressão que sobre eles se exercia para aderirem à organização nacional, o que lhes acarretava sérios próblemas pessoais e fortes dúvidas quanto ao regular funcionamento dos grupos.

No início de 1942, perante o evidente falhanço da M.P. o Governo decidiu convidar Marcelo Caetano, figura de alguma evidência no regime, para o cargo de Comissário Nacional da organização. Marcelo aceitou e, logo que assumiu o cargo, providenciou o Decreto-Lei n. 31908, publicado em 19 de Março de 1942, o qual veio submeter à tutela da M.P. todas as organizações “que tenham por objectivo a educação cívica, mo-ral e física da juventude”.

Marcelo fora escoteiro no Grupo n.º 11, que existiu no Liceu Camões e participou no 1.º Curso de Chefes da AEP, que decorreu em 1922 na Escola Normal de Benfica, por iniciativa do dr. Alfredo Tovar de Lemos, por quem veio a ser convidado, em 1923, para integrar uma das muitas Comissões então criadas (Comissão Jurídica?), para apoiar a Comissão Executiva no desenvolvimento associativo. Mas, havia sido conquistado pelas novas teorias do nacionalismo, tornando-se um dos seus teóricos.

Daí que, não hostilizando o Escotismo, entendeu que este deveria submeter-se à nova Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, criando-lhe toda a espécie de limitações e entraves ao seu natural desenvolvimento.

O texto do Decreto-Lei espelhava os ideais do totalitarismo que governava o país, onde o fanatismo de uns quantos, mascarado de heróico patriotismo, destruía os conceitos de igualdade, civismo e cidadania, valores civilizacionais de um povo, nos quais assentam os ideais escotistas. Assim, instituições e dirigentes ficavam sujeitos à disciplina do Governo que poderia ir ao pormenor de destituir dirigentes, autorizar ou não a abertura de centros ou grupos, aprovar ou não regulamentos e, sobretudo, obrigar a que os chefes ensinassem aos seus educandos os ideais do “Estado Novo”, o que contrariava a afirmada neutralidade política do Escotismo.

As associações já existentes dispunham apenas de 30 dias para requerer ao comissário nacional da M.P. a aprovação dos seus estatutos, mas a AEP deixou correr o prazo sem cumprir essa obrigação.

O dr. Alfredo Tovar de Lemos preferiu abandonar serenamente o seu cargo.

Porém, as disposições da lei não chegaram a ser aplicadas, já que, de entre os dirigentes de que a AEP ainda dispunha, se alinharam para a sucessão directiva algumas figuras mais próximas do regíme, aos quais foi possível o diálogo com Marcelo Caetano, com quem começaram a concertar os novos estatutos. Este fez-lhes saber que deveria ser retirada dos estatutos a designação de comissário, que foi substituída (com vantagem, achamos) por Escoteiro-chefe.

Marcelo impôs, ainda, o afastamento de Franklin Oliveira, o que surpreendeu, porquanto Franklin era oficial legionário não obstante o seu cargo na AEP, o que revelava certa faceta do seu carácter.

Mas os estatutos foram apresentados e, depois da sua aceitação pela M.P., aprovados pela Ordem de Serviço n. 14, de Abril de 1942.

Remodelada a Direcção da AEP, voltava a presidir o capitão Álvaro Afonso dos Santos, figura de toda a confiança do Estado Novo. Para Escoteiro Chefe-geral, foi nomeado Luís Grau Tovar de Lemos, antigo chefe do grupo n.º 2, há muitos anos ligado ao Escotismo, mas que ingressara na M.P. da qual era dirigente. A chefia regional de Lisboa foi confiada ao Engº Jorge Jardim, também dirigente da M.P.. Na chefia regional do Porto ficou Amâncio Salgueiro Jr.



Decreto-Lei n. 31908
Usando da faculdade conferida pela 2ª parte do n.º 2º do artigo 109º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º - Todas as organizações, associações ou instituições que tenham por objecto a educação cívica, moral e física da juventude carecem, para se constituir e poder exercer actividade, de aprovação dos estatutos pelo comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 2º - As referidas organizações ficam sujeitas no exercício da sua actividade à direcção e fiscalização do comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, ao qual compete:
Sancionar a designação dos dirigentes superiores das organizações;
Autorizar a abertura e o funcionamento de quaisquer centros, grupos, núcleos ou delegações;
Aprovar todos os regulamentos e instruções aplicáveis às actividades educativas;
Pedir aos dirigentes todos os esclarecimentos que reputar necessários;
Destituir os dirigentes que tenham violado as disposições legais ou estatutárias, desobedecido às instruções recebidas ou não ofereçam garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado;
§ único. Das decisões do comissário nacional a que se refere o n.º 5 deste artigo cabe recurso para o Ministério da Educação Nacional.
Artigo 3º - As organizações a que se refere este decreto-lei têm o dever de cooperar com a Organização Nacional Mocidade Portuguesa na realização dos seus fins, e serão extintas por portaria do Ministro da Educação Nacional desde que, em inquérito, se prove que não estimulam nos seus afiliados o sentimento patriótico e o culto dos ideais do Estado Novo português.
Artigo 4º - As organizações, associações e instituições existentes à data da publicação do presente decreto-lei que se proponham, por qualquer forma promover a educação cívica, moral e física da juventude portuguesa deverão no prazo de trinta dias requerer ao comissário nacional da Mocidade Portuguesa a aprovação dos seus estatutos e a sanção para os seus corpos gerentes.
§ único. Na falta de requerimento dentro do prazo legal, considerar-se-ão as organizações extintas e serão arrolados os seus bens, que reverterão para a Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 5º - Fica revogada a legislação especial referente à Organização Escotista de Portugal, Associação dos Escoteiros de Portugal e Corpo Nacional de Escutas.
Publique e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 9 de Março de 1942
António Óscar de Fragoso Carmona
António de Oliveira Salazar, etc.


Os novos dirigente associativos entenderam conveniente que a Direcção e os chefes dos grupos de Lisboa fossem apresentar cumprimentos a Marcelo Caetano, que os recebeu afavelmente, afirmando a sua admiração pelo Escotismo e reconheceu que “na sua opinião não se tinha até então criado qualquer movimento de formação da mocidade, que não tivesse aproveitado alguma coisa das ideias do fundador do Escotismo”.

Acrescentaríamos nós que só foi pena que nunca chegassem a apreender o verdadeiro sentido de tais “ideias”, situando-se sempre longe dos verdadeiros ideais que caracterizam a extraordinária obra de B.P.

Marcelo, na sua convicção sectária, fazia efectivamente uma ideia errada do Escotismo, achando que “fomentava o individualismo e este
constituía um defeito da gente portuguesa, pelo que não devia ser aplicado”.


Fazia, assim, por ignorar os ensinamentos do Curso de Chefes que frequentara em 1922, onde teria aprendido a diferença entre Escotismo, que desenvolve a personalidade do jovem e as organizações de massas que procuram anular o indivíduo.

Ao terminar a reunião, Marcelo não deixou de insistir com os dirigentes para ingressarem na Mocidade Portuguesa, convite que continuou a
encontrar resistência em grande parte dos chefes dos grupos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Da nossa história…(12)

NUVENS NEGRAS NO HORIZONTE ESCOTEIRO (apoiada na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)

E não só no horizonte escoteiro, mas sobre a Europa e sobre o mundo. Em 1933 Hitler subira ao poder na Alemanha e transformou completamente o clima político da Europa e os acontecimentos políticos tiveram imediato reflexo no desenvolvimento do Escotismo.

O movimento iniciado por Baden-Powell em 1907, na Inglaterra, espalhara-se rapidamente a todo o mundo, conquistando a juventude, sem que isso fizesse parte de um plano. O Escotismo é uma obra de educação, que forma a personalidade do rapaz, cultiva o espírito de serviço, a liberdade do indivíduo e, através do sistema de patrulhas, treina o espírito democrático.

Hitler não podia gostar de um movimento de juventude, aceite em todo o mundo, que cultivava a paz e fomentava a amizade entre os jovens de todas as raças e nacionali-dades.

O Escotismo foi, portanto, banido e ferozmente perseguido na Alemanha. O mesmo sucedeu na Itália e, mais tarde, na Espanha. Em sua substituição foram criadas organizações políticas que preconizavam a preparação militar dos jovens, aproveitando do Escotismo o seu processo mobilizador e tudo que era exterior para aliciar os mais novos, mas negando a doutrina e os ideais escoteiros, substituídos por slogans nacionalistas que visavam a alienação às ideias massificadoras, ao culto do racismo e do ódio às minorias étnicas.

Este clima político teria forçosamente de exercer influência em Portugal e o regímen que se vivia entre nós não tardou a identificar-se com os regimes totalitários da Alemanha e Itália.

Depressa a imprensa se fez eco de inflamada propaganda “patriótica” para a fundação da Mocidade Portuguesa e as adesões choveram, numa corrida oportunista às benesses que se anunciavam.

O Escotismo incomodava, pela seriedade do seu método, espírito de serviço e culto da fraternidade. E aqui começaram os ataques, com a grande acusação de que o Escotismo era internacionalista, em oposição ao nacionalismo fanático das organizações emergentes.

Cansaram-se os dirigentes escotistas a explicar que o nosso internacionalismo não prejudicava o nosso patriotismo, que a amizade para com os escoteiros de outros países e o respeito para com as outras pátrias não diminuía o amor para com a nossa pátria. Tudo inútil.

Passou-se então a viver um período difícil, até porque alguns dos nossos dirigentes se deixaram seduzir pelos importantes postos que lhes eram oferecidos nas duas novas organizações pré-militar (Mocidade Portuguesa) e paramilitar (Legião Portuguesa), ganhando as boas graças de Carneiro Pacheco, o intolerante ministro da Instrução Pública, o dinamizador daquelas organizações do Estado Novo. Aqueles que resistiam eram pressionados e ameaçados, especialmente os que ocupavam lugares no funcionalismo público.

Carneiro Pacheco estava empenhado na iniciativa e tinha de a promover, mas era difícil dar-lhe forma sem partir de algo que já existisse.

Pressão sobre os dirigentes escotistas
Entre os elementos mais activos da AEP, nessa altura, contavam-se dois dirigentes que eram funcionários públicos, Antero Nobre e Rui Santos, o primeiro secretário- geral e o segundo chefe do Núcleo de Lisboa. O ministro resolveu agir e mandou o seu motorista com recado ao Instituto Nacional de Estatística para Antero Nobre: “o senhor ministro pede o favor de chegar lá”. Antero Nobre, surpreendido, pediu licença e dirigiu-se no carro do ministro ao seu gabinete. Na antecâmara, encontrou Rui Santos, igualmente chamado, que logo lhe disse que não sabia ao que ia.
Foi Antero Nobre o primeiro a ser recebido. “o senhor é o secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal?” Em face da resposta afirmativa, continuou: “Como sabe, está a organizar-se a Mocidade Portuguesa. Desejava que o senhor viesse trabalhar para a organização, porque o senhor terá na M.P. um posto de general. Trata-se de uma organização nacional e patriótica”.

Antero Nobre reconheceu o interesse da nova organização, mas terá replicado “que não precisaria do lugar de general, bastaria ser soldado. Mas que era secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal, era escoteiro, portanto, só poderia aceitar um posto de soldado se daí não resultasse prejuízo das funções que ali exercia…”.

O ministro foi peremptório: “ Isso é que não pode ser. O senhor tem que deixar a Associação e vem para cá…”.

Antero Nobre, com dignidade, manteve a sua firmeza e o ministro despediu-o, desagradado, convidando-o a deixar nota da sua residência.

Rui Santos seria depois recebido e certamente submetido às mesmas pressões, desconhecendo-se qual a atitude que então tomou, sendo certo que continuou como dirigente da AEP, mas a ser frequentemente solicitado pelo gabinete do ministro, conhecendo-se mais tarde a sua ligação à Mocidade Portuguesa.

Entretanto, foi projectada para 14 de Agosto de 1936 uma romagem nacional para comemorar o aniversário da batalha de Aljubarrota. Os Escoteiros de Portugal resolveram participar, dado o carácter patriótico da iniciativa, procurando fazer deslocar à Batalha escoteiros de todo o país. Diversas empresas puseram os seus carros e camionetas à disposição para o transporte dos rapazes, e empresas distribuidoras de gasolina ofereceram combustível para a deslocação. Estava, por isso, garantida uma boa participação.

Porém… O “Escotismo”, que se publicava nessa época, contava assim o facto: “Devia a romagem seguir para Aljubarrota num comboio automóvel composto por camionetas cedidas pelo comércio e indústria, mas a vinte e quatro horas da partida, quando tudo já estava organizado, surge inesperadamente a comunicação dos serviços de trânsito proibindo a circulação das camionetas de carga. O ESCOTEIRO SORRI E ASSOBIA NOS MOMENTOS DIFICEIS, o comando composto por velhos escoteiros reúne, estuda as possibilidades e, assim, o contingente segue dividido em duas colunas, uma com sete camionetas, sob o comando de Franklin de Oliveira, com cerca de 150 escoteiros e dirigentes, e outra em cami-nho de ferro, sob o comando de Rui Santos, com 250 esco-teiros e dirigentes”.O primeiro contingente pernoitou, em acampamento, no Parque Municipal de Alcobaça, seguindo manhã cedo para S. Jorge.

Aqui, formou-se o desfile com as diversas organizações, em que os escoteiros se incorporaram. O Governo estava completo, instalados num palanque, e os ministros levantaram-se a receber a saudação dos escoteiros, à excepção de Carneiro Pacheco.
O desfile seguiu até à Batalha.

O segundo contingente não conseguiu chegar a tempo de participar no desfile, pelo que se reuniu ali, junto ao Mosteiro. Com a delegação do CNE, também presente, concentraram-se na Batalha mais de 500 escoteiros, incluindo dois dirigentes e um escoteiro vindos do Porto, uma vez que só a partir de Lisboa fora possível organizar o contingente da AEP.

A presença do contingente dos Escoteiros de Portugal foi um êxito, que não foi agradável para aqueles que viam o Escotismo com antipatia e intolerância. E os nossos dirigentes tiveram de fazer um enorme esforço para prudentemente conterem os Caminheiros de responderem às provocações dos elementos do contingente da MP, idos do Norte, com as tais braçadeiras que os identificavam.

O capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva da AEP, em artigo de fundo no “Escotismo” de Dezembro de 1936, procurou, com demasiada benevolência, cativar as boas graças da MP, mas a tentativa foi inútil. A perseguição estava aberta.

Chegou depois uma proposta de integração dos Escoteiros de Portugal na Mocidade Portuguesa, trazida por Rui Santos. Numa reunião de escoteiros-chefes, realizada na Sede Central, a posição foi corajosa, intransigente e de grande aprumo moral. A proposta foi recusada.

Começa a perseguição aos grupos da A.E.P.
Passou algum tempo e Antero Nobre recebeu um telefonema de pessoa amiga que o prevenia de que se preparava um golpe para acusar determinados grupos de escoteiros de Lisboa de actuação de natureza política. Depois de muito instado, o informador revelou que a acusação vinha da própria polícia e, logo procurou saber quais eram os grupos visados, para se poderem tomar as necessárias providências. Um deles era o Grupo 7, do chefe José Rodrigues, figura ímpar de escoteiro exemplar, cuja sede era nessa altura na Rua Luciano Cordeiro. Antero Nobre era vizinho do SETE, que visitava assiduamente e sabia que nesse gru-po era impossível, parecendo-lhe que se procurava um pretexto para qualquer acção.

Algumas semanas mais tarde, o mesmo amigo voltou a avisar que estaria eminente uma intervenção da Polícia, em certos grupos, comentando: “a coisa está a tomar um certo vulto e posso acrescentar que o senhor ministro procura um pretexto para fechar os grupos”.

Antero Nobre chegou à conclusão que era preciso contactar a própria Polícia e conseguiu uma apresentação para o Inspector Superior da Polícia de Informação (anterior à PIDE), capitão José Catela, a quem deu garantias de que as acusações feitas aos grupos de escoteiros eram falsas. A Comissão Executiva da Associação era presidida pelo capitão Afonso dos Santos, chefe do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, que era o próprio professor Salazar, e todos os membros daquela Comissão eram pessoas sem ligações políticas. O director da Polícia, em face das declarações de Antero Nobre e com a confiança que lhe era dada pela apresentação, acabou por confidenciar “que era uma mania do senhor ministro. O que ele quer é fechar-vos os grupos. Precisa de um pretexto”. Ficou a promessa de que a AEP seria avisada se alguma coisa acontecesse que pudesse dar o pretexto que o ministro procurava.

Algum tempo depois, cumprindo o prometido, é o próprio capitão Catela que, numa sexta-feira, procura com urgência falar com Antero Nobre, então em Mafra a fazer o Curso de Oficiais Milicianos, para lhe dizer: “olhe que há ordem do ministro para na segunda-feira ir fechar e selar as por-tas das sedes dos grupos de escoteiros. Mexa-se! Mexa-se!”.

Conseguida uma licença do comando para se ausentar, de imediato Antero Nobre veio para Lisboa e, sem se lembrar do capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva, foi à Companhia dos Telefones expor o problema ao coronel Pope, sobrinho de Baden-Powell e grande amigo dos Escoteiros de Portugal, a quem afirmou “que o tinha procurado em primeiro lugar porque ele poderia tratar do assunto por vias que não eram acessíveis a outras pessoas”. O coronel compreendeu a gravidade do problema e prometeu que se ia empenhar no assunto.

Antero Nobre correu de seguida a informar o capitão Afonso dos Santos, inteirando-o do aviso que lhe chegara, da mesma fonte que antes contactara, e das diligências que já havia feito.

As diligências do coronel Pope deram o resultado previsto. Nesse mesmo sábado, o embaixador de Inglaterra fazia saber ao ministro da Educação Nacional que o governo de Sua Majestade veria com desagrado qualquer acção contra o movimento escoteiro português. Por outro lado, teria havido também diligências do capitão Afonso dos Santos. Resultado: o chefe do governo mandava suspender qualquer acção contra os grupos de escoteiros.

Quando Antero Nobre voltou a entrar em contacto com a Polícia, foi-lhe confirmado que sim, que estava suspensa a ordem.

Acampamento Regional de Benfica
Apesar de todas as dificuldades, de 31 de Agosto a 9 de Setembro de 1938, realizou-se um acampamento regional, que teve lugar na Quinta da Fonte, em Benfica. Foi uma actividade organizada pelo comissário geral, Franklin Oliveira, que lhe imprimiu um forte cunho técnico, bem ao gosto da rapaziada que viveu entusiasmada aquele evento, que veio a ficar conhecido como o «acampamento da quinta da formiga», pela quantidade de formigas que ali encontraram.

Estiveram presentes centenas de escoteiros de todo o País e os fogos de conselho constituíram excelentes momentos escotista.

Pelo número de escoteiros presentes, que vieram dos mais diferentes pontos do País, pela qualidade do programa e do trabalho realizado pelos presentes, também pelo seu significado em época tão difícil, foi esta actividade, mais tarde, classificada como Acampamento Nacional.

Conferência de Dirigentes
Durante o decorrer do acampamento de Benfica, decorreu uma Conferência Nacional de Dirigentes. Um tanto improvisada, devido à crise que se vivia na Associação e realizada com simplicidade numa tenda, esta Conferência serviu para eleger novos corpos directivos da AEP.

Para presidente da Associação, o dr. Francisco Cortez Pinto, um grande amigo da AEP; para presidente da Comissão Executiva, o dr. Alfredo Tovar de Lemos, um nome prestigioso do Escotismo. Para comissário-geral foi nomeado Franklin de Oliveira, um dirigente conhecedor do Escotismo, um verdadeiro técnico, mas a quem alguns punham certas reservas, devido ao seu temperamento e comportamentos anteriores.

A situação dos Escoteiros de Portugal era difícil. Muitos dirigentes se tinham ausentado. Alguns mesmo aderiram à Mocidade Portuguesa, em busca de prestígio, de dinheiro ou facilidades. Outros, por serem funcionários públicos, não tiveram outra opção.

Ficaram os corajosos, os autênticos escoteiros. O dr. Alfredo Tovar de Lemos tinha a confiança destes e confiava neles. O dr. Cortez Pinto era respeitado por todos.

O Escotismo continuaria!....