sábado, 30 de abril de 2011

Da nossa história...15

Renasce de novo a esperança
em melhores dias
(apoiado na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro e jornal escotista “Sempre Pronto“)

A década de 40 foi palco de alguns dos mais importantes acontecimentos do Escotismo, nacional e internacional. Desde logo, a realização do Jamboree da Paz em 1947, em Moisson, na França, um acontecimento grandioso, onde estiveram presentes cerca de 40.000 escoteiros, constituindo a maior concentração escotista até aquela data, num incitamento à Paz e concórdia entre as nações.

Igualmente importante foram a presença do engº Brotas Cardoso, em Julho de 1948, na II Reunião dos Comissários Internacionais e a realização, em princípios de Agosto de 1949, da 12ª Conferência Internacional do Escotismo, que teve lugar em Elvasaeter na Noruega, na qual estiveram presentes delegações de 22 países, entre as quais uma delegação portuguesa formada por Jorge Brotas Cardoso, chefe geral da AEP, Fernando de Oliveira Mouta, Luís de Faria, Victor Lima e Santos e João Garcia Cabral, destacados dirigentes do CNE. Entre as decisões tomadas por esta Conferência, destacaram-se a escolha da Áustria para realizar o Jamboree de 1951 e a escolha de Portugal para a reunião dos Comissários Internacionais em 1950.

Ao nível nacional, teve igualmente grande significado a publicação do Decreto-Lei n. 31908, em Março de 1942, com o qual desapareceu a ameaça, que pairava latente, da extinção do Movimento em Portugal, embora com o ónus da submissão à Organização Nacional Mocidade Portuguesa e ao seu Comissário Nacional, Marcelo Caetano.


Facto igualmente positivo foi a eleição do Engº Jorge Pereira Jardim, em Maio de 1948, para Presidente da AEP. Dirigente de muito prestígio, que era particularmente estimado e respeitado pela maioria dos chefes, logo deu à nossa associação melhor organização e perspectivas de acção que desde há vários anos se não conheciam, proporcionando alguma visibilidade e prestígio. Só foi pena que a sua presidência efectiva viesse a ter curta duração. Por força da sua designação para subsecretário do Comércio e Indústria, foi substituído interinamente pelo engº Brotas Cardoso, que acumulou o cargo com o de escoteiro chefe geral.

Mas, para além dos referidos acontecimentos, é de toda a justiça evidenciar dois outros não menos importantes, que são o aparecimento do jornal escotista SEMPRE PRONTO, em Janeiro de 1945 e o movimento lançado por aquele periódico logo no seu primeiro número, para consolidar uma ideia nascida no jantar comemorativo do 32º aniversário do Grupo n. 2, realizado no dia 1 de Dezembro de 1944, pela qual se bateu durante vários anos e que levou à criação, em 11 de Março de 1950, da Fraternal dos Antigos Escoteiros de Portugal, órgão associativo para o estudo e divulgação do Escotismo.

Às duas entidades referidas muito se ficou a dever pelo apoio e valorização das acções desenvolvidas pelos Grupos e pelas estruturas Centrais da AEP, especialmente o mensário escotista que, agindo muita vez de uma forma crítica, manteve ao longo dos anos uma verdadeira luta pela dignidade associativa e pela defesa dos ideais escotistas.

O aparecimento do “Sempre Pronto”
“Sempre Pronto” nasceu, de uma forma simples, dentro de um Grupo de escoteiros, o 94 na Ajuda, com uma ideia muito determinada, defender o Escotismo dos seus detractores e divulgar o Movimento de uma forma séria. Foram seus fundadores Eduardo Ribeiro, Capitolino Macedo e Joel Ribeiro, que faziam parte da chefia do Grupo, desde logo aliciando alguns colaboradores em outras áreas associativas. Geralmente bem aceite pelos antigos escoteiros, que mantinha informados do que se passava nas hostes associativas, fornecia aos escoteiros ensinamentos importantes de carácter técnico e pedagógico.

Porém, o estilo acutilante e crítico dos seus textos, não perdoava à acção desastrosa de Amâncio Salgueiro e, em Maio de 1947, a direcção da AEP exigiu da direcção do Grupo n. 94 a suspensão da publicação e a ordem arbitrária foi cumprida.


Porém não desistiram os jovens e intrépidos “jornalistas” e, porque naqueles dois anos “Sempre Pronto” ganhara vitalidade e grande apoio dos meios escoteiros, a propriedade do jornal foi transferida e legalizada em nome do “Circulo Fraternal de Cooperação Escotista”, pelo que, em Julho seguinte, a publicação continuava a sua luta por um Escotismo digno dos ideais de B.P..

O Sempre Pronto e o seu director Eduardo Ribeiro foram durante dezenas de anos a mais séria e a mais importante referência do Escotismo português, informando, ensi-nando, doutrinando e organizando acções que prestigiaram o nosso movimento e contribuíram para a sua defesa e expansão no nosso país. Desde a sua criação, em Janeiro de 1945, manteve uma publicação impressionantemente regular até cerca de 1982. Ao longo desses 37 anos publicou mais de 430 números, sempre dirigido por Eduardo Ribeiro.

O autor destas linhas [Mariano Garcia] não pode deixar de registar aqui a mais elevada admiração pelo percurso escotista de Eduardo Ribeiro e a sua enorme gratidão pelo muito que com ele aprendeu em mais de vinte anos de muito estreita colaboração, ao serviço do “Sempre Pronto” e do Escotismo.

Permitimo-nos considerar que, com o desaparecimento de Eduardo Ribeiro findou também a vida daquele jornal escotista, embora “Sempre Pronto” continue a sua publicação como órgão oficial da AEP, mas com características totalmente diferentes, posto que deixou de ser um mensário informativo e interveniente, para ser uma pequena revista, especialmente destinada aos mais novos, que se publica com pouca regularidade.


Com a presidência do Engº. Jardim a vida dos Escoteiros de Portugal recebeu um forte impulso. Reunindo à sua volta elementos de reconhecido mérito escotista, procurou mudar o rumo associativo, designando Jorge Brotas Cardoso para escoteiro chefe nacional e para as chefias regionais foram nomeados António Mira Calhau, Amadeu Cândido Braga e João Miranda Trigueiros, respectivamente Centro, Norte e Sul. E a actividade associativa foi animada por uma onda de entusiasmo.

O novo presidente teve ainda o cuidado de normalizar as relações entre a própria Direcção Central da AEP e o jornal Sempre Pronto. Foi reconhecido oficialmente o interesse da publicação daquele mensário e estabelecidas normas de relação, tendo o próprio director do Sempre Pronto sido nomeado delegado da AEP junto do jornal.

Nasce A Fraternal dos Antigos Escoteiros de Portugal
A ideia havia sido lançada há muito, mais precisamente no decorrer de um jantar realizado no dia 1º de Dezembro de 1944, onde mais de 40 convivas comemoraram o 32º aniversário do Grupo n. 2.

“Sempre Pronto” apadrinhou essa ideia logo no seu primeiro número publicado em Janeiro de 1945 e fez dela uma verdadeira campanha, procurando mobilizar quer os antigos escoteiros, quer os dirigentes associativos e dos grupos.

Organizar a Fraternal dos Antigos Escooteiros era uma ideia simpática a todos que já haviam passado pelo Escotismo e nesse sentido se manifestaram nas páginas daquele jornal. Todavia, ainda que logo no ano seguinte o Presidente da AEP tivesse chamado a si a iniciativa de criar uma Comissão Organizadora da Fraternal, tornando público, através de David Boudouin, precisamente no jantar comemorativo do 33º aniversário do Grupo nº. 2, o convite a Luís Alves Miguel, Edmundo de Matos, Quintino Pinheiro, Santos Lopes, Conde Ribeiro e Mariano Lapa para constituírem essa Comissão e dos aplausos que aprovaram tal nomeação, as intenções não passaram disso mesmo e foram precisos mais de três anos para, no celebrado jantar de 21 de Fevereiro de 1948, evocativo do aniversário de BP se voltar a falar no assunto, Foi então que, após um veemente artigo de Eduardo Ribeiro na primeira página do seu jornal, em Maio do mesmo ano, fazendo apelo a todos os antigos escoteiros, “Sempre Pronto” chamou a si a mobilização geral, promovendo em 19 de Novembro de 1949, na sala Algarve da Sociedade de Geografia, uma sessão presidida por: com. Álvaro Melo Machado, dr. Alfredo Tovar de Lemos e dr. Francisco Cortez Pinto, onde foi eleita, por aclamação a Comissão Organizadora da Fraternal dos Antigos Escoteiros de Portugal constituída por: Ernâni Roque, Eugénio Ribeiro Nunes, Fernando Bahia dos Santos, dr. Gonçalo Mesquitela, Eng. José Maria Nobre Santos, Luís Grau Tovar de Lemos, AEP representada por António Mexia de Castro Paivaa e jornal “Sempre Pronto”, representado por Ernesto Clímaco do Nascimento.


Finalmente, em 11 de Março de 1050, foi realizada no Salão Nobre do Ateneu Comercial de Lisboa a Assembleia constitutiva que, por unanimidade, aprovou o respectivo Regulamento Geral e elegeu os Corpos Gerentes:
Presidência: Com. Álvaro Melo Machado, presidente; Ver. Eduardo Moreira e dr. Francisco Cortez Pinto, vice-presidentes; dr. Leopoldo Figueiredo, 1º secretário; dr. Délio Nobre Santos, 2º secretário.
Direcção: dr. Alfredo Tovar de Lemos, presidente; major Joaquim Duarte Borrego, vice-presidente; António Manuel Ribeiro, 1º secretário; Gastão de Moura Florêncio, 2º secretário; Sérgio Conde Ribeiro, 2º secretário; Antero Nobre, 1º vogal e dr. Luís Teixeira, 2º vogal.
Conselho Fiscal: Albano da Silva, presidente; Joaquim Amâncio Salgueiro Júnior, secretário e Ernâni Roque, relator.

Enorme dinamismo marca a vida da AEP
A dinâmica criada pelo engº Jorge Jardim, enquanto Presidente da AEP e a expectativa de Portugal vir a ser palco da primeira reunião do Escotismo Internacional, faz aumentar o entusiasmo dos dirigentes associativos. Entretanto, o ano de 1950 inicia-se, praticamente, com a notícia da demissão da direcção.

Porém, o Presidente escolhe de imediato os elementos para uma nova direcção, que fica assim constituída: Luís Grau Tovar de Lemos, chefe-geral e presidente interino; dr. Baltasar Rebelo de Sousa, secretário-geral; engº José Maria Nobre Santos, secretário das relações internacionais; Eduardo Ribeiro, tesoureiro-geral.

A nova direcção elabora, com entusiasmo, um ambicioso calendário de actividades, de onde constam:1. acolhimento a três reuniões internacionais – Reunião dos Comissários Internacionais, Reunião da Comissão Internacional do Escotismo e Reunião Consultiva sobre os Antigos Escoteiros; 2. Um concurso inter-grupos; 3. Uma escola de Guias; 4. um curso de Chefes; 5. um acampamento nacional; 6. um progra-ma (modelo).para os grupos.

Todo o entusiasmo revelado pelos dirigentes associativos não deixou de dar seus frutos, contagiando a acção de muitos Grupos que conheceram neste período um maior desenvolvimento, nomeadamente empenhando-se na enorme tarefa de preparar a sua presença no Acampamento Nacional, que veio a realizar-se no mês de Setembro, na Quinta do Junqueiro, em Carcavelos.

Libertando-se das terríveis amarras do passado recente os Escoteiros de Portugal, começavam a adquirir o ritmo de uma associação escotista, empenhada na formação dos seus dirigentes e na educação cívica dos seus jovens.

sábado, 26 de março de 2011

Da nossa história...14

O difícil retomar da
caminhada

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 31908, em 9 de Março de 1942, desapareceu a ameaça da extinção do Movimento Escotista em Portugal, mas a actividade dos grupos de escoteiros continuou muito difícil.

Jorge Pereira Jardim, dirigente de prestígio, que fora nomeado Chefe Regional de Lisboa, procurava desenvolver actividades na zona a seu cargo, mas conotando-as com uma certa filosofia da época. Organizou a Defesa Passiva e constituiu um contingente bem treinado, especializado nos socorros de defesa civil. Estava-se em pleno período da guerra e este contingente mobilizara o entusiasmo de alguns escoteiros e a atenção do público. O contingente foi equipado com capacetes de aço, máscaras antigás e macas e realizou treinos intensivos, atraindo a atenção do público.

Um acampamento regional, em LisboaA Região promoveu em 1944 um acampamento que decorreu no pinhal da Escola Salesiana do Estoril, durante mais de uma semana, actividade que ganhou certo relevo. Conjuntamente com os demais, participaram neste acampamento dois Grupos anexos a igrejas evangélicas, com pleno conhecimento da direcção da Escola, que não colocou quaisquer objecções, chegando a visitar os campos daquelas unidades com manifestações de simpatia, como certamente terá feito aos restantes. Apesar do seu entusiasmo e da boa aceitação por parte dos dirigentes escoteiros, Jorge Pereira Jardim abandonou aquele cargo pouco tempo depois.

No Norte, Amânio Salgueiro Jr. intensificava a sua actividade, mas exteriorizando com demasiada evidência uma ideologia que pouco tinha a ver com os princípios esco-tistas. A exaltação da raça, presente nas canções que criara para os escoteiros, o seu pendor para o autoritarismo e a sua simpatia pelas doutrinas nazis, estavam pouco conformes com o método do Escotismo. Os conflitos com as chefias dos Grupos eram constantes, o que levou à expulsão de alguns dirigentes e ao enceramento de Grupos.

Apesar disso, promoveu anualmente alguns concursos inter-patrulhas, que estimulavam o interesse dos jovens e realizou a primeira Escola Regional de Guias, actividades que mereceram registo pela sua utilidade.

Todavia, os Serviços Centrais funcionavam mal e não produziam actividades nem estímulos que agitassem a acção dos grupos, onde os chefes mais dedicados procuravam remar contra a maré, numa afirmação do seu carácter e do ideal do movimento, fazendo o que podiam para demonstrar aos seus rapazes e ao público em geral, as realidades do Escotismo e a sua importância na educação dos jovens. Mas a sua acção era condicionada, pois logo que procuravam dar alguma publicidade às actividades que promoviam, eram chamados e repreendidos para não fazerem propaganda.

Nomeações de novas chefiasEntretanto, foram chamados para adjuntos do Chefe Nacional (Luís Tovar de Lemos) David Baudouin e Amâncio Salgueiro Jr., que acabara de fixar residência em Lisboa, abandonando, por isso, a Chefia Regional do Norte.
Em 16 de Novembro de 1944, José Maria Nobre Santos era nomeado Chefe Regional do Centro, de acordo com a nova organização regional associativa, que contemplava apenas três Regiões para o Continente, a saber: Norte, que cobria todo o norte do País chegando até Coimbra; a do Centro, e ado Sul. A chefia regional do Norte era confiada a Aníbal Tomás dos Santos.

Em Março seguinte é a vez de Luís Tovar de Lemos se desligar do cargo de Chefe Geral, lugar logo ocupado por Amâncio Salgueiro Jr..

Mas a actividade associativa, conduzida por Amâncio, caminha de mal a pior. Em 28 de Maio de 1945 extingue os serviços regionais e, em 19 de Julho seguinte, volta a organizá-los, confiando a Magalhães Ferraz a chefia de Lisboa e a Manuel Ferreira Coelho a do Norte.

A vida associativa corria mal e a desconfiança instalara-se no seio dos dirigentes, divididos nos seus conceitos de orientação do movimento.

O Presidente da direcção fragilizava a acção directiva com as suas manifestações de fidelidade à Organização Nacional, sempre que ia a despacho com Marcelo Caetano, o que provocava a troça de muitos que discordavam de tal subserviência.

JAMBOREE DA PAZConhecido o ambiente que se vivia no seio da AEP, não será difícil perceber a falta de atenção dispensada pelos responsáveis associativos à realização de um grande acontecimento escotista mundial, como foi o Jamboree da Paz, que teve lugar em Moisson, França, durante o mês de Agosto de 1947 e reuniu cerca de 40.000 escoteiros. Efectivamente, apesar do grande interesse que despertou entre os escoteiros e não obstante os alertas lançados atempadamente pelo jornal “Sempre Pronto”, que desenvolveu um grande esforço de mobilização do meio escotista português para o envio de um contingente a representar os Escoteiros de Portugal, chegando a lançar nas suas colunas um peditório para custear a viagem de alguns escoteiros, a apatia directiva impediu que tal acontecesse.

Tratou-se de um acontecimento grandioso, que para além de constituir a maior reunião escotista até então conseguida, tinha o especial significado do incitamento à Paz e concórdia entre as nações, por ser o primeiro que se realizava após o fim da terrível guerra que dividira os povos e matara milhões de cidadãos em todo o mundo.

Atraídos por tão importante acontecimento, que por nada desejariam perder, deslocaram-se a expensas suas, os seguintes dirigentes: Alberto Teixeira Brás, Armando Lino, Carlos Mexia de Castro Paiva, Ernesto Clímaco do Nascimento, Henrique Alves de Azevedo, João Miranda Trigueiros, Jorge Brotas Cardoso e Mário Rocha Santos. Também os três responsáveis do neófito jornal “Sempre Pronto”, Eduardo Ribeiro, Capitolino Macedo e Joel Ribeiro, custearam as suas próprias viagens para observar e relatar o grande acampamento, mas na qualidade de jornalistas credenciados pela organização do Jamboree.

Todavia, jovens escoteiros, que muito teriam a aprender com uma actividade tão grandiosa, estabelecendo contactos com milhares de outros jovens das mais diferentes origens, raças e religiões, dando testemunho das qualidades e virtudes da juventude portuguesa, esses não houve preocupação oficial de garantir a sua presença.

Novo Presidente da AEPEntretanto, multiplicaram-se os contactos entre os dirigentes escotistas que se preocupavam verdadeiramente com o prestígio e dignidade da AEP e foram feitas díligências junto do engº. Jorge Pereira Jardim para que aceitasse a sua candidatura para presidir à Direcção dos Escoteiros de Portugal.

Não recusando a ideia, Jardim exigiu apenas que fosse o Presidente em exercício a abandonar voluntariamente o seu cargo, tornando a sucessão difícil porque Álvaro Afonso dos Santos, apesar do desprestígio em que caíra e da pressão exercida por mui-tos dirigentes, se recusava a abandonar o cargo.

Até que em Abril de 1948, um facto externo contribui para a solução daquele im-passe. Afonso dos Santos fora nomeado para desempenhar uma função oficial no estrangeiro e os chefes escoteiros celebraram com algum júbilo a sua saída.

Para acelerar o processo eleitoral, este foi pela primeira vez realizado por corres-pondência e, após consulta a todos os Grupos por via postal, Jorge Pereira Jardim foi eleito por unanimidade.

A partir daquele momento, uma nova esperança se abria no futuro da AEP. O eng. Pereira Jardim, apesar da sua proximidade ao regime politico vigente era um dirigente escotista considerado por todos e um escoteiro convicto, merecedor da confiança da grande maioria dos dirigentes. Socorremo-nos da reportagem do jornal “Sempre Pronto”, órgão de imprensa escotista, independente, surgido em Janeiro de 1945, oferecendo assim actualidade à importante cerimónia da posse do eng. Jardim:
“A Posse do novo Presidente dos Escoteiros de Portugal teve lugar no dia 31 de Maio de 1948, na Sede Central e na presença dos diversos órgãos associativos, dos antigos presidentes da AEP Alfredo Tovaar de Lemos e Francisco Cortez Pinto e do Sr. Lima Santos, representante do CNE. A posse foi conferida pelo Sr. Alexandre Ascenção Cardoso, em representação do Presidente cessante, que teve palavras de elogio para o sr. Eng. Jardim. No mesmo sentido discursaram os drs. Tovar de Lemos e Cortez Pinto, que enalteceram as qualidades de carácter e competência do novo Presidente, felicitaram os escoteiros pela boa escolha que tinham sabido fazer e afirmaram a sua confiança no futuro do movimento escotista em Portugal.

O sr. Lima Santos disse que trazia à AEP e ao seu Presidente as felicitações do CNE e mostrou a sua satisfação pelas relações fraternais das duas associações escotistas portuguesas.

Finalmente o engº. Jardim agradeceu as palavras amigas que a seu respeito tinham sido proferidas e a presença de todos que tinham querido honrar o acto. Fez um discurso em que focou as circunstâncias que o tinham levado a aceitar o cargo para que fora eleito e definiu as normas porque iria orientar o trabalho associativo…”.

A vida dos Escoteiros de Portugal reactivou-se. No dia 16 de Junho, na presença de muitos chefes dos Grupos de Lisboa e representantes dos dirigentes das outras regiões o novo Presidente deu posse aos seguintes dirigentes: a chefia geral foi entregue ao engº Brotas Cardoso; Amadeu Cândido Braga, um veterano do escotismo nortenho, foi nomeado chefe regional do Norte; António Mira Cahau designado para chefe regional do Centro. O chefe da região do Algarve, João Lobo Miranda Trigueiros, não tomou posse neste acto por se encontrar ausente do País.

O Movimento foi animado por uma onda de entusiasmo, da qual viriam a brotar a organização de reuniões internacionais, pela primeira vez em Portugal.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Da nossa história…(13)

Escotismo fica sujeito à tutela da Mocidade Portuguesa - apoiado na "História dos Escoteiros de Portugal" de Eduardo Ribeiro.

Não eram de todo agradáveis as perspectivas que se apresentavam ao Presidente da Comissão Executiva, dr. Alfredo Tovar de Lemos, o prestigiado dirigente associativo que nos anos vinte operara uma verdadeira transformação da AEP, promovendo o seu desenvolvimento e prestígio nacional.

Os Escoteiros de Portugal haviam ultrapassado, com algum brilhantismo, a primeira prova de força a que haviam sido submetidos, mas o Escotismo, apesar de continuar a ser visto pelo público com muita simpatia, era apenas tolerado e olhado com desconfiança pelo Governo que, apesar do grande empenhamento e das elevadas somas gastas nos programas de instalação da Mocidade Portuguesa, a organização nacional de enquadramento político que arrastava multidões de adolescentes, obrigados a participar nas suas actividades, que se colavam às obrigações escolares, sem motivação e sem alma. Era já uma organização moribunda, vestida rigorosamente pelo figurino do nazismo alemão, onde apenas as especialidades como a vela, hipismo, escola de aviação e outras actividades do género (disputadas pelas classes privilegiadas), conseguiam atrair os jovens de mais idade.

Este clima não ajudava a desenvolver o Escotismo, que continuava a sofrer perseguições e agravos, sem qualquer acompanhamento da imprensa que reduzia o seu noticiário ou o escondia nas páginas mais discretas.

O dr. Tovar de Lemos não conseguia criar as condições para aplicar as suas excepcionais qualidades de dirigente escotista, tal como já o fizera vinte anos antes. Até porque em 17 de Fevereiro de 1939, surge o Decreto n. 29453, que no seu artigo 36º, determina: “à data da entrada em vigor do presente decreto, consideram-se extintos todos os grupos de escoteiros existentes nas colónias”.

Nas colónias portuguesas estava-se então verificando o acentuado crescimento das actividades escotistas, podendo calcular-se áquela data a existência de largos milhares de escoteiros, membros das duas associações, AEP e CNE. Só em Moçambique, onde o competente e activo dirigente capitão Ismael Mário Jorge ocupou o cargo de Comissário Regional desde 1929 até à extinção, um relatório oficial referia que o censo de escoteiros naquela colónia era o seguinte: Lourenço Marques -2300; Beira – 1100; Namacha – 380; Inhambane – 100; Diversas localidades – 300; total 4180.

Soube-se depois que outro decreto idêntico estivera preparado para entrar em vigor em Portugal (Continente e Ilhas), mas não chegou a ser publicado, ignorando-se se im-pedido pelas mesmas influências de acontecimentos anteriores. Sabe-se apenas que existiram contactos de escoteiro de muito prestígio e que também o Cardeal Cerejeira se terá interessado pelo assunto. De certo, sabe-se apenas que Salazar não assinou o decreto já redigido. E o Escotismo continuou em Portugal… ainda que com todas as dificuldades e numa situação bastante indefinida.

O Acampamento dos Centenários
Um acampamento Nacional, teve lugar em Setembro de 1940, em Lisboa, em terrenos anexos ao Hospital Colonial, na Junqueira. Foi chamado dos centenários por se come-morarem nesse ano o 8º Centenário da fundação da nossa nacionalidade e o 3º centenário da restauração da independência.

O acampamento realizou-se naquele local para ficar perto da exposição do Mundo Português, situada nos terrenos de Belém, à qual os escoteiros tinham garantido serviços de apoio cívico.

Estiveram presentes escoteiros do Norte, Centro e Sul do país, mas as condições do local não se adaptavam a uma actividade daquele tipo, pelo que o acampamento não alcançou grande nível, valendo aos escoteiros o clima de festa que se fazia sentir naquele local e a grandiosidade da exposição a que tiveram a oportunidade de assistir.

Novos rumos
Com o decorrer dos anos, tornara-se evidente que a Mocidade Portuguesa não conseguia mobilizar o entusiasmo dos jovens nem conquistar a simpatia da população em geral, independentemente da facilidade com que recrutavam os seus filiados, inscrevendo obrigatóriamente todas as crianças e jovens que frequentavam as escolas primárias e secundárias do país. A arrogância e fanatismo político dos seus dirigentes, perturbava e corroía o ambiente social.

Os grupos de escoteiros sofriam o peso desse ambiente e confrontavam-se constantemente com as dificuldades e afrontamentos que recebiam dos agentes governamentais e só os chefes mais ousados e com elevada estatura moral e cívica, insistiam em praticar o Escotismo e a resistir à constante pressão que sobre eles se exercia para aderirem à organização nacional, o que lhes acarretava sérios próblemas pessoais e fortes dúvidas quanto ao regular funcionamento dos grupos.

No início de 1942, perante o evidente falhanço da M.P. o Governo decidiu convidar Marcelo Caetano, figura de alguma evidência no regime, para o cargo de Comissário Nacional da organização. Marcelo aceitou e, logo que assumiu o cargo, providenciou o Decreto-Lei n. 31908, publicado em 19 de Março de 1942, o qual veio submeter à tutela da M.P. todas as organizações “que tenham por objectivo a educação cívica, mo-ral e física da juventude”.

Marcelo fora escoteiro no Grupo n.º 11, que existiu no Liceu Camões e participou no 1.º Curso de Chefes da AEP, que decorreu em 1922 na Escola Normal de Benfica, por iniciativa do dr. Alfredo Tovar de Lemos, por quem veio a ser convidado, em 1923, para integrar uma das muitas Comissões então criadas (Comissão Jurídica?), para apoiar a Comissão Executiva no desenvolvimento associativo. Mas, havia sido conquistado pelas novas teorias do nacionalismo, tornando-se um dos seus teóricos.

Daí que, não hostilizando o Escotismo, entendeu que este deveria submeter-se à nova Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, criando-lhe toda a espécie de limitações e entraves ao seu natural desenvolvimento.

O texto do Decreto-Lei espelhava os ideais do totalitarismo que governava o país, onde o fanatismo de uns quantos, mascarado de heróico patriotismo, destruía os conceitos de igualdade, civismo e cidadania, valores civilizacionais de um povo, nos quais assentam os ideais escotistas. Assim, instituições e dirigentes ficavam sujeitos à disciplina do Governo que poderia ir ao pormenor de destituir dirigentes, autorizar ou não a abertura de centros ou grupos, aprovar ou não regulamentos e, sobretudo, obrigar a que os chefes ensinassem aos seus educandos os ideais do “Estado Novo”, o que contrariava a afirmada neutralidade política do Escotismo.

As associações já existentes dispunham apenas de 30 dias para requerer ao comissário nacional da M.P. a aprovação dos seus estatutos, mas a AEP deixou correr o prazo sem cumprir essa obrigação.

O dr. Alfredo Tovar de Lemos preferiu abandonar serenamente o seu cargo.

Porém, as disposições da lei não chegaram a ser aplicadas, já que, de entre os dirigentes de que a AEP ainda dispunha, se alinharam para a sucessão directiva algumas figuras mais próximas do regíme, aos quais foi possível o diálogo com Marcelo Caetano, com quem começaram a concertar os novos estatutos. Este fez-lhes saber que deveria ser retirada dos estatutos a designação de comissário, que foi substituída (com vantagem, achamos) por Escoteiro-chefe.

Marcelo impôs, ainda, o afastamento de Franklin Oliveira, o que surpreendeu, porquanto Franklin era oficial legionário não obstante o seu cargo na AEP, o que revelava certa faceta do seu carácter.

Mas os estatutos foram apresentados e, depois da sua aceitação pela M.P., aprovados pela Ordem de Serviço n. 14, de Abril de 1942.

Remodelada a Direcção da AEP, voltava a presidir o capitão Álvaro Afonso dos Santos, figura de toda a confiança do Estado Novo. Para Escoteiro Chefe-geral, foi nomeado Luís Grau Tovar de Lemos, antigo chefe do grupo n.º 2, há muitos anos ligado ao Escotismo, mas que ingressara na M.P. da qual era dirigente. A chefia regional de Lisboa foi confiada ao Engº Jorge Jardim, também dirigente da M.P.. Na chefia regional do Porto ficou Amâncio Salgueiro Jr.



Decreto-Lei n. 31908
Usando da faculdade conferida pela 2ª parte do n.º 2º do artigo 109º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º - Todas as organizações, associações ou instituições que tenham por objecto a educação cívica, moral e física da juventude carecem, para se constituir e poder exercer actividade, de aprovação dos estatutos pelo comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 2º - As referidas organizações ficam sujeitas no exercício da sua actividade à direcção e fiscalização do comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, ao qual compete:
Sancionar a designação dos dirigentes superiores das organizações;
Autorizar a abertura e o funcionamento de quaisquer centros, grupos, núcleos ou delegações;
Aprovar todos os regulamentos e instruções aplicáveis às actividades educativas;
Pedir aos dirigentes todos os esclarecimentos que reputar necessários;
Destituir os dirigentes que tenham violado as disposições legais ou estatutárias, desobedecido às instruções recebidas ou não ofereçam garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado;
§ único. Das decisões do comissário nacional a que se refere o n.º 5 deste artigo cabe recurso para o Ministério da Educação Nacional.
Artigo 3º - As organizações a que se refere este decreto-lei têm o dever de cooperar com a Organização Nacional Mocidade Portuguesa na realização dos seus fins, e serão extintas por portaria do Ministro da Educação Nacional desde que, em inquérito, se prove que não estimulam nos seus afiliados o sentimento patriótico e o culto dos ideais do Estado Novo português.
Artigo 4º - As organizações, associações e instituições existentes à data da publicação do presente decreto-lei que se proponham, por qualquer forma promover a educação cívica, moral e física da juventude portuguesa deverão no prazo de trinta dias requerer ao comissário nacional da Mocidade Portuguesa a aprovação dos seus estatutos e a sanção para os seus corpos gerentes.
§ único. Na falta de requerimento dentro do prazo legal, considerar-se-ão as organizações extintas e serão arrolados os seus bens, que reverterão para a Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 5º - Fica revogada a legislação especial referente à Organização Escotista de Portugal, Associação dos Escoteiros de Portugal e Corpo Nacional de Escutas.
Publique e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 9 de Março de 1942
António Óscar de Fragoso Carmona
António de Oliveira Salazar, etc.


Os novos dirigente associativos entenderam conveniente que a Direcção e os chefes dos grupos de Lisboa fossem apresentar cumprimentos a Marcelo Caetano, que os recebeu afavelmente, afirmando a sua admiração pelo Escotismo e reconheceu que “na sua opinião não se tinha até então criado qualquer movimento de formação da mocidade, que não tivesse aproveitado alguma coisa das ideias do fundador do Escotismo”.

Acrescentaríamos nós que só foi pena que nunca chegassem a apreender o verdadeiro sentido de tais “ideias”, situando-se sempre longe dos verdadeiros ideais que caracterizam a extraordinária obra de B.P.

Marcelo, na sua convicção sectária, fazia efectivamente uma ideia errada do Escotismo, achando que “fomentava o individualismo e este
constituía um defeito da gente portuguesa, pelo que não devia ser aplicado”.


Fazia, assim, por ignorar os ensinamentos do Curso de Chefes que frequentara em 1922, onde teria aprendido a diferença entre Escotismo, que desenvolve a personalidade do jovem e as organizações de massas que procuram anular o indivíduo.

Ao terminar a reunião, Marcelo não deixou de insistir com os dirigentes para ingressarem na Mocidade Portuguesa, convite que continuou a
encontrar resistência em grande parte dos chefes dos grupos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Da nossa história…(12)

NUVENS NEGRAS NO HORIZONTE ESCOTEIRO (apoiada na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)

E não só no horizonte escoteiro, mas sobre a Europa e sobre o mundo. Em 1933 Hitler subira ao poder na Alemanha e transformou completamente o clima político da Europa e os acontecimentos políticos tiveram imediato reflexo no desenvolvimento do Escotismo.

O movimento iniciado por Baden-Powell em 1907, na Inglaterra, espalhara-se rapidamente a todo o mundo, conquistando a juventude, sem que isso fizesse parte de um plano. O Escotismo é uma obra de educação, que forma a personalidade do rapaz, cultiva o espírito de serviço, a liberdade do indivíduo e, através do sistema de patrulhas, treina o espírito democrático.

Hitler não podia gostar de um movimento de juventude, aceite em todo o mundo, que cultivava a paz e fomentava a amizade entre os jovens de todas as raças e nacionali-dades.

O Escotismo foi, portanto, banido e ferozmente perseguido na Alemanha. O mesmo sucedeu na Itália e, mais tarde, na Espanha. Em sua substituição foram criadas organizações políticas que preconizavam a preparação militar dos jovens, aproveitando do Escotismo o seu processo mobilizador e tudo que era exterior para aliciar os mais novos, mas negando a doutrina e os ideais escoteiros, substituídos por slogans nacionalistas que visavam a alienação às ideias massificadoras, ao culto do racismo e do ódio às minorias étnicas.

Este clima político teria forçosamente de exercer influência em Portugal e o regímen que se vivia entre nós não tardou a identificar-se com os regimes totalitários da Alemanha e Itália.

Depressa a imprensa se fez eco de inflamada propaganda “patriótica” para a fundação da Mocidade Portuguesa e as adesões choveram, numa corrida oportunista às benesses que se anunciavam.

O Escotismo incomodava, pela seriedade do seu método, espírito de serviço e culto da fraternidade. E aqui começaram os ataques, com a grande acusação de que o Escotismo era internacionalista, em oposição ao nacionalismo fanático das organizações emergentes.

Cansaram-se os dirigentes escotistas a explicar que o nosso internacionalismo não prejudicava o nosso patriotismo, que a amizade para com os escoteiros de outros países e o respeito para com as outras pátrias não diminuía o amor para com a nossa pátria. Tudo inútil.

Passou-se então a viver um período difícil, até porque alguns dos nossos dirigentes se deixaram seduzir pelos importantes postos que lhes eram oferecidos nas duas novas organizações pré-militar (Mocidade Portuguesa) e paramilitar (Legião Portuguesa), ganhando as boas graças de Carneiro Pacheco, o intolerante ministro da Instrução Pública, o dinamizador daquelas organizações do Estado Novo. Aqueles que resistiam eram pressionados e ameaçados, especialmente os que ocupavam lugares no funcionalismo público.

Carneiro Pacheco estava empenhado na iniciativa e tinha de a promover, mas era difícil dar-lhe forma sem partir de algo que já existisse.

Pressão sobre os dirigentes escotistas
Entre os elementos mais activos da AEP, nessa altura, contavam-se dois dirigentes que eram funcionários públicos, Antero Nobre e Rui Santos, o primeiro secretário- geral e o segundo chefe do Núcleo de Lisboa. O ministro resolveu agir e mandou o seu motorista com recado ao Instituto Nacional de Estatística para Antero Nobre: “o senhor ministro pede o favor de chegar lá”. Antero Nobre, surpreendido, pediu licença e dirigiu-se no carro do ministro ao seu gabinete. Na antecâmara, encontrou Rui Santos, igualmente chamado, que logo lhe disse que não sabia ao que ia.
Foi Antero Nobre o primeiro a ser recebido. “o senhor é o secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal?” Em face da resposta afirmativa, continuou: “Como sabe, está a organizar-se a Mocidade Portuguesa. Desejava que o senhor viesse trabalhar para a organização, porque o senhor terá na M.P. um posto de general. Trata-se de uma organização nacional e patriótica”.

Antero Nobre reconheceu o interesse da nova organização, mas terá replicado “que não precisaria do lugar de general, bastaria ser soldado. Mas que era secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal, era escoteiro, portanto, só poderia aceitar um posto de soldado se daí não resultasse prejuízo das funções que ali exercia…”.

O ministro foi peremptório: “ Isso é que não pode ser. O senhor tem que deixar a Associação e vem para cá…”.

Antero Nobre, com dignidade, manteve a sua firmeza e o ministro despediu-o, desagradado, convidando-o a deixar nota da sua residência.

Rui Santos seria depois recebido e certamente submetido às mesmas pressões, desconhecendo-se qual a atitude que então tomou, sendo certo que continuou como dirigente da AEP, mas a ser frequentemente solicitado pelo gabinete do ministro, conhecendo-se mais tarde a sua ligação à Mocidade Portuguesa.

Entretanto, foi projectada para 14 de Agosto de 1936 uma romagem nacional para comemorar o aniversário da batalha de Aljubarrota. Os Escoteiros de Portugal resolveram participar, dado o carácter patriótico da iniciativa, procurando fazer deslocar à Batalha escoteiros de todo o país. Diversas empresas puseram os seus carros e camionetas à disposição para o transporte dos rapazes, e empresas distribuidoras de gasolina ofereceram combustível para a deslocação. Estava, por isso, garantida uma boa participação.

Porém… O “Escotismo”, que se publicava nessa época, contava assim o facto: “Devia a romagem seguir para Aljubarrota num comboio automóvel composto por camionetas cedidas pelo comércio e indústria, mas a vinte e quatro horas da partida, quando tudo já estava organizado, surge inesperadamente a comunicação dos serviços de trânsito proibindo a circulação das camionetas de carga. O ESCOTEIRO SORRI E ASSOBIA NOS MOMENTOS DIFICEIS, o comando composto por velhos escoteiros reúne, estuda as possibilidades e, assim, o contingente segue dividido em duas colunas, uma com sete camionetas, sob o comando de Franklin de Oliveira, com cerca de 150 escoteiros e dirigentes, e outra em cami-nho de ferro, sob o comando de Rui Santos, com 250 esco-teiros e dirigentes”.O primeiro contingente pernoitou, em acampamento, no Parque Municipal de Alcobaça, seguindo manhã cedo para S. Jorge.

Aqui, formou-se o desfile com as diversas organizações, em que os escoteiros se incorporaram. O Governo estava completo, instalados num palanque, e os ministros levantaram-se a receber a saudação dos escoteiros, à excepção de Carneiro Pacheco.
O desfile seguiu até à Batalha.

O segundo contingente não conseguiu chegar a tempo de participar no desfile, pelo que se reuniu ali, junto ao Mosteiro. Com a delegação do CNE, também presente, concentraram-se na Batalha mais de 500 escoteiros, incluindo dois dirigentes e um escoteiro vindos do Porto, uma vez que só a partir de Lisboa fora possível organizar o contingente da AEP.

A presença do contingente dos Escoteiros de Portugal foi um êxito, que não foi agradável para aqueles que viam o Escotismo com antipatia e intolerância. E os nossos dirigentes tiveram de fazer um enorme esforço para prudentemente conterem os Caminheiros de responderem às provocações dos elementos do contingente da MP, idos do Norte, com as tais braçadeiras que os identificavam.

O capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva da AEP, em artigo de fundo no “Escotismo” de Dezembro de 1936, procurou, com demasiada benevolência, cativar as boas graças da MP, mas a tentativa foi inútil. A perseguição estava aberta.

Chegou depois uma proposta de integração dos Escoteiros de Portugal na Mocidade Portuguesa, trazida por Rui Santos. Numa reunião de escoteiros-chefes, realizada na Sede Central, a posição foi corajosa, intransigente e de grande aprumo moral. A proposta foi recusada.

Começa a perseguição aos grupos da A.E.P.
Passou algum tempo e Antero Nobre recebeu um telefonema de pessoa amiga que o prevenia de que se preparava um golpe para acusar determinados grupos de escoteiros de Lisboa de actuação de natureza política. Depois de muito instado, o informador revelou que a acusação vinha da própria polícia e, logo procurou saber quais eram os grupos visados, para se poderem tomar as necessárias providências. Um deles era o Grupo 7, do chefe José Rodrigues, figura ímpar de escoteiro exemplar, cuja sede era nessa altura na Rua Luciano Cordeiro. Antero Nobre era vizinho do SETE, que visitava assiduamente e sabia que nesse gru-po era impossível, parecendo-lhe que se procurava um pretexto para qualquer acção.

Algumas semanas mais tarde, o mesmo amigo voltou a avisar que estaria eminente uma intervenção da Polícia, em certos grupos, comentando: “a coisa está a tomar um certo vulto e posso acrescentar que o senhor ministro procura um pretexto para fechar os grupos”.

Antero Nobre chegou à conclusão que era preciso contactar a própria Polícia e conseguiu uma apresentação para o Inspector Superior da Polícia de Informação (anterior à PIDE), capitão José Catela, a quem deu garantias de que as acusações feitas aos grupos de escoteiros eram falsas. A Comissão Executiva da Associação era presidida pelo capitão Afonso dos Santos, chefe do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, que era o próprio professor Salazar, e todos os membros daquela Comissão eram pessoas sem ligações políticas. O director da Polícia, em face das declarações de Antero Nobre e com a confiança que lhe era dada pela apresentação, acabou por confidenciar “que era uma mania do senhor ministro. O que ele quer é fechar-vos os grupos. Precisa de um pretexto”. Ficou a promessa de que a AEP seria avisada se alguma coisa acontecesse que pudesse dar o pretexto que o ministro procurava.

Algum tempo depois, cumprindo o prometido, é o próprio capitão Catela que, numa sexta-feira, procura com urgência falar com Antero Nobre, então em Mafra a fazer o Curso de Oficiais Milicianos, para lhe dizer: “olhe que há ordem do ministro para na segunda-feira ir fechar e selar as por-tas das sedes dos grupos de escoteiros. Mexa-se! Mexa-se!”.

Conseguida uma licença do comando para se ausentar, de imediato Antero Nobre veio para Lisboa e, sem se lembrar do capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva, foi à Companhia dos Telefones expor o problema ao coronel Pope, sobrinho de Baden-Powell e grande amigo dos Escoteiros de Portugal, a quem afirmou “que o tinha procurado em primeiro lugar porque ele poderia tratar do assunto por vias que não eram acessíveis a outras pessoas”. O coronel compreendeu a gravidade do problema e prometeu que se ia empenhar no assunto.

Antero Nobre correu de seguida a informar o capitão Afonso dos Santos, inteirando-o do aviso que lhe chegara, da mesma fonte que antes contactara, e das diligências que já havia feito.

As diligências do coronel Pope deram o resultado previsto. Nesse mesmo sábado, o embaixador de Inglaterra fazia saber ao ministro da Educação Nacional que o governo de Sua Majestade veria com desagrado qualquer acção contra o movimento escoteiro português. Por outro lado, teria havido também diligências do capitão Afonso dos Santos. Resultado: o chefe do governo mandava suspender qualquer acção contra os grupos de escoteiros.

Quando Antero Nobre voltou a entrar em contacto com a Polícia, foi-lhe confirmado que sim, que estava suspensa a ordem.

Acampamento Regional de Benfica
Apesar de todas as dificuldades, de 31 de Agosto a 9 de Setembro de 1938, realizou-se um acampamento regional, que teve lugar na Quinta da Fonte, em Benfica. Foi uma actividade organizada pelo comissário geral, Franklin Oliveira, que lhe imprimiu um forte cunho técnico, bem ao gosto da rapaziada que viveu entusiasmada aquele evento, que veio a ficar conhecido como o «acampamento da quinta da formiga», pela quantidade de formigas que ali encontraram.

Estiveram presentes centenas de escoteiros de todo o País e os fogos de conselho constituíram excelentes momentos escotista.

Pelo número de escoteiros presentes, que vieram dos mais diferentes pontos do País, pela qualidade do programa e do trabalho realizado pelos presentes, também pelo seu significado em época tão difícil, foi esta actividade, mais tarde, classificada como Acampamento Nacional.

Conferência de Dirigentes
Durante o decorrer do acampamento de Benfica, decorreu uma Conferência Nacional de Dirigentes. Um tanto improvisada, devido à crise que se vivia na Associação e realizada com simplicidade numa tenda, esta Conferência serviu para eleger novos corpos directivos da AEP.

Para presidente da Associação, o dr. Francisco Cortez Pinto, um grande amigo da AEP; para presidente da Comissão Executiva, o dr. Alfredo Tovar de Lemos, um nome prestigioso do Escotismo. Para comissário-geral foi nomeado Franklin de Oliveira, um dirigente conhecedor do Escotismo, um verdadeiro técnico, mas a quem alguns punham certas reservas, devido ao seu temperamento e comportamentos anteriores.

A situação dos Escoteiros de Portugal era difícil. Muitos dirigentes se tinham ausentado. Alguns mesmo aderiram à Mocidade Portuguesa, em busca de prestígio, de dinheiro ou facilidades. Outros, por serem funcionários públicos, não tiveram outra opção.

Ficaram os corajosos, os autênticos escoteiros. O dr. Alfredo Tovar de Lemos tinha a confiança destes e confiava neles. O dr. Cortez Pinto era respeitado por todos.

O Escotismo continuaria!....

domingo, 26 de dezembro de 2010

Da nossa história…(11)

A capacidade afirmativa dos Escoteiros de Portugal

Depois das modificações produzidas na estrutura associativa e apesar da década de 30 vir a ser fortemente marcada pelos graves acontecimentos que assolaram a Europa, após a subida de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, que levaram à eclosão da Segunda Grande Guerra, em 1939, a AEP viveu um período de prestigiosa expansão e grande actividade nacional e internacional, nomeadamente na primeira metade desta década, isto é, até à criação da Mocidade Portuguesa, movimento nacionalista, sob tutela do governo, que pretendeu substituir o Escotismo.

Não podemos, pois, deixar de referenciar algumas dessas principais actividades:

Criação da Organização Escotista de Portugal
Por pressão da Organização Mundial do Escotismo, a Associação dos Escoteiros de Portugal e o Corpo Nacional de Scouts, retomaram em 1932 as conversações, que haviam sido iniciadas em Março de 1928, dando lugar a diversas reuniões das partes, que levaram à constituição de uma comissão, que esteve em alguns Ministérios e chegou a ser recebida pelo Presidente da República, que elogiou os escoteiros pelo exemplo de concórdia que davam ao país, a Federação não chegou a ser constituída.

Passada a crise que dominara a vida da AEP, reataram-se as conversações, mas agora sob a égide do Governo, que se mostrou parte interessada no processo. Uma comissão constituída por dr. Dinis Curson e dr. Fausto Salazar Leite, pela AEP rev. Avelino Gonçalves e dr. Silva Passos, pelo CNS e dr. Braga Paixão, que presidia, designado pelo Ministério da Instrução Pública, produziu o documento que levou à criação da Organização Escotista de Portugal, aprovada pelo Decreto nº. 21434 de 29 de Junho de 1932, e publicado no Diário do Governo de 1 de Julho.

II Acampamento Nacional
Teve lugar em Carcavelos, de 8 a 22 de Agosto de 1933, na Quinta Nova, cedida pelo Cabo Submarino e constituiu um verdadeiro êxito a primeira actividade de âmbito Nacional após a remodelação associativa. Estiveram presentes escoteiros de todo o país continental e das Ilhas Adjacentes. Intitulada de “campo de férias”, a actividade foi bem organizada, bem dirigida e decorreu da melhor maneira escotista, reunindo o aplauso unânime de quantos nela participaram.

Enquanto decorria este Acampamento Nacional, realizava-se em Godollo, na Hungria, o IV Jambori Mundial. Foi enviada, em nome dos escoteiros acampados, uma mensagem a Baden Powell, cuja resposta foi recebida treze minutos depois. Se tivermos em conta a velocidade das comunicações naquela época, podemos avaliar o que essa resposta revelou de prestigiante para os escoteiros portugueses.

II Conferência Nacional de Dirigentes
Durante o Acampamento, de 18 a 20 de Agosto, reuniu a Conferência de Dirigentes, que fez alterações ao Regulamento Geral, recomendou a realização de actividades gerais de dois em dois anos, distinguiu o comandante Álvaro de Melo Machado com o título de Escoteiro Chefe Geral Honorário, elegeu a Comissão Permanente e tomou outras decisões de interesse para o Movimento. De facto, a AEP parecia encetar um novo surto de progresso.

Depois desta Conferência a Comissão Executiva ficou constituída por dr. Fausto Salazar Leite, António Ferreira da Silva, Rui Santos, Alexandre Correia e Raul Nolasco.

IV Jambori Mundial
Decorreu em Agosto de 1933, em Godollo, na Hungria, com a presença de 3000 escoteiros, representando 32 países. Portugal, pela primeira vez, não esteve representado oficialmente, comparecendo como visitante o dr. Manuel Gomes dos Santos, grande entusiasta do Escotismo, que vinha desempenhando diversos cargos associativos e viria a ser presidente da Comissão Executiva da AEP.

Esta ausência de uma delegação portuguesa foi por muitos interpretada como prova sintomática da inutilidade da Organização Escotista de Portugal, facto que se reconhecia igualmente lá fora. Em 1935, Portugal esteve de novo ausente na VIII Conferência Mundial, que se realizou em Estocolmo. Por esse motivo, foi feita a seguinte comunicação à Secretaria Mundial: “tenho o desgosto de vos comunicar que a organização inter-federal de Portugal, sob a égide do ministro da Instrução Pública, não deu resultados satisfatórios, e que temos tido grandes dificuldades em nos mantermos em contacto com uma das associações. O nosso comité que estude com cuidado a situação”.

É pena que ao transcrever esta comunicação, Eduardo Ribeiro não tenha esclarecido a sua autoria, nem referido qual a associação referida, nem quaisquer consequências da mesma, pelo que temos de nos ficar com o facto em si mesmo, já que não foi possível obtê-lo de outra fonte.

Fundação do Grupo nº. 13 na Sociedade de Geografia
Resultado do dinamismo adquirido após a remodelação das suas estruturas, verifica-se novo empenhamento da AEP na criação de novos grupos. Em 6 de Dezembro de 1933, escoteiros e numeroso público assistem a uma sessão solene na Sociedade de Geografia de Lisboa, a marcar a inauguração do novo Grupo n.º 13, na qual Antero Nobre, prestigiado dirigente escotista, fez uma brilhante conferência com o traçado histórico do Escotismo em Portugal. O Grupo n.13 ficou instalado naquela Sociedade por algumas dezenas de anos.

A II visita de Baden Powell a Lisboa
No dia 12 de Abril de 1934, cerca das 8 horas da manhã, atracava ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos a paquete “Adriatic”. A bordo viajava Lord Baden Powell, acompanhado de 700 dirigentes do Escotismo e Guidismo britânicos, já de regresso a Inglaterra após uma viagem por diversos portos do Mediterrâneo. B.P. era aguardado por dirigentes do Escotismo e Guidismo de Portugal, que subiram a bordo para cumprimentar o Chefe Mundial, mas este estava impossibilitado de os receber, por se encontrar doente. Foram recebidos por sir Percy Everett, um amigo de B.P. e seu colaborador desde o acampamento de Brownsea, no qual participou, em 1907.

Com a colaboração dos Rotários de Lisboa foi possível dispor de uma frota de automóveis, que levou os visitantes a Sintra e ao Estoril. Mais tarde, concentraram-se em S. Pedro de Alcântara com os Escoteiros de Portugal, os do Corpo Nacional de Scouts e as Guias de Portugal e, ainda, os Adueiros de Portugal, formando um grande desfile, aberto pela banda da Casa Pia, seguida dos “scouts” e “guides” britânicos e logo pelos escoteiros e guias portugueses, que seguiu na direcção da Praça do Município e, logo depois, até ao cais da Rocha, sempre aplaudidos por numeroso público que abria alas à sua passagem.

De novo frente ao “Adriatic”, ouviram Lady Baden Powell expressar a sua satisfação e do Chefe por se encontrarem em Portugal, acrescentando: “Fiquei encantada ao ver o vosso desfile, não só pelo vosso bom aspecto, mas pelo que esse desfile representa”.

Surge então Baden Powell, fazendo ouvir-se através da instalação sonora montada: “Irmãos escoteiros, quero dizer-vos quanto sinto não ter podido desembarcar e visitar-vos na vossa cidade”, acrescentando com o seu habitual humor “arranjei um médico muito ríspido e uma enfermeira que me obrigam a executar as suas ordens. Quero agradecer terdes vindo aqui para me verdes. Há cerca de quatro meses que estou doente e esta é a primeira vez que envergo o meu uniforme, para me apresentar aos escoteiros portugueses. Tive grande prazer em ver tão grande multidão de escoteiros com tão bom aspecto. Desculpai-me não falar português, mas prometo ir aprender o vosso idioma, assim que chegar a Inglaterra, para que o possa falar quando aqui voltar outra vez”.

O presidente da Organização Escotista de Portugal, dr. Braga Paixão, saudou B.P. em nome dos escoteiros portugueses, que saudaram o Chefe Mundial com uma estrondosa ovação.

O Rádio Clube Português havia assegurado a cobertura radiofónica e a Companhia dos Telefones garantiu uma ligação até ao estúdio, pelo que tudo que ali aconteceu foi transmitido a todo o País, o que constituiu verdadeiro acontecimento. O antigo dirigente escotista Alberto Lima Basto, assegurou a locução e tradução do evento.

A Associação dos Escoteiros de Portugal distinguida com a Ordem de Benemerência
Em 2 de Julho de 1934, em sessão solene realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa, o tenente Carvalho Nunes, em representação do Chefe do Estado, colocou na bandeira dos Escoteiros de Portugal as insígnias da Ordem de Benemerência.

À cerimónia, a que assistiram muitos escoteiros e guias, presidiu o representante do Chefe do Estado, ladeado pelo dr. Braga Paixão presidente da OEP, dr. Sá e Oliveira presidente da AEP e Pais Ferreira pelo CNS.

III Acampamento Nacional
No início de Setembro de 1934, a AEP resolveu fazer o seu Acampamento Nacional no Porto, onde se iria realizar, entre 9 e 21, a Exposição Colonial, no Palácio de Cristal. Para ali se deslocaram escoteiros de todo o continente e ilhas, numa expressiva adesão.

Por dificuldades de espaço, os escoteiros não puderam acampar, como previsto, nos jardins do próprio Palácio de Cristal, mas num pequeno bosque do Colégio Nuno Álvares, na Rua do Heroísmo. Os fogos de conselho deste acampamento foram notáveis, agradando ao numeroso público que a eles assistiu, distinguindo-se a Região do Algarve, sob a chefia de João Trigueiros, cujas canções alegres muito animaram as festas.

No domingo, os escoteiros efectuaram um grande desfile, que atravessou a ruas do Porto até ao local da exposição, onde formaram em parada e o dr. Manuel Gomes dos Santos, presidente da Comissão Executiva, fez um vibrante discurso perante grande multidão.

Este Acampamento Nacional foi uma actividade para confirmar que os Escoteiros de Portugal estavam em franco desenvolvimento e progresso.

Festa da Mocidade, promovida pela AEP
Na Primavera de 1935, teve lugar, na Sala de Portugal da Sociedade de Geografia, a “Festa da Mocidade” promovida pela Associação dos Escoteiros de Portugal, com a presença de centenas de escoteiros e duas centenas e meia de scouts do CNS. Presidiu o Chefe do Estado que acendeu o simulacro de fogo de conselho. Foi uma festa notável, com assistência que enchia as galerias e que teve grande repercussão na Imprensa, que nessa altura dava muita atenção às actividades escotistas.

Concurso interpatrulhas, do jornal “Sports”
Antero Nobre, secretário geral da AEP, mantinha regularmente uma secção escotista neste jornal, que, por sua iniciativa, realizou em 14 de Abril de 1935, nas instalações do “Jockey Club”, no Campo Grande, um concurso inter-patrulhas, no qual participaram os grupos 2, 7 e 9 de Lisboa.

Conferência Nacional de Dirigentes
Em 28 de Junho de 1935 teve lugar uma reunião geral de chefes, à qual compareceram dirigentes de Lisboa, Lagos, Portimão, Faro, Olhão, Beja, Montijo, Figueira da Foz, Porto e Valença do Minho. Foram aqui eleitos o dr. Armindo Monteiro, para presidente da Associação e dr. Pedro Teotónio Pereira, para presidente da Comissão Executiva. O primeiro era ministro dos Negócios Estrangeiros e o segundo desempenhava também importante cargo público. A AEP procurava couraçar-se perante perigos que a ameaçavam mas, por outro lado, substituía verdadeiros dirigentes por figuras ligadas ao regime.

Mas a AEP continuava muito activa e em Agosto desse ano voltou a realizar um acampamento de férias, num pinhal do Estoril, junto ao Casino, que teve bastante concorrência dos grupos da Região de Lisboa e foi considerada uma boa actividade.

Semana do Escoteiro “Z”
Vivia-se já uma época em que dominavam as preocupações de uma guerra iminente e, com elas, as ideias de defesa organizada das populações. Algumas unidades escotistas começavam a sua preparação nesta área. Em 5 de Abril de 1936, o Grupo nº. 16 de Carcavelos inaugurava no Grémio Alentejano, a 1ª Semana Portuguesa “Z”, actividade inédita como divulgação dos sistemas de defesa passiva. Uma exposição de material de defesa e uma série de conferências, onde usaram da palavra individualidades especializadas no assunto, fizeram desta actividade um acontecimento local, tendo a exposição, onde também colaborou a 1ª Companhia de Guias, sido visitada por milhares de pessoas, depois da sua inauguração pelo Ministro do Interior.
Este Grupo, atingiu naquela época um grande desenvolvi-mento, sob a chefia do tenente Serafim Prazeres, sendo o dr. Manuel Marques da Mata, médico muito respeitado na localidade, o presidente da Comissão Executiva.

O Jubileu dos Escoteiros de Portugal
O ano de 1937 foi dedicado ao Jubileu do Escotismo em Portugal. Considerando que os primeiros Grupos haviam sido fundados em 1912 o Movimento completava, portanto, 25 anos em Portugal.

Ignoramos se propositadamente, esquecia-se assim a existência do Movimento em Macau em 1911 e a possibilidade de ter existido Escotismo em Coimbra, mesmo antes daquela data, a serem credíveis as noticias sobre as acções do dr. Leite Jr. Por outro lado, o reconhecimento oficial da AEP data apenas de 1913.

A inauguração oficial das comemorações, foi feita em 13 de Janeiro pelo capitão Afonso dos Santos, recém investido nas funções de comissário nacional, ao receber na sede central as chefias dos Grupos de Lisboa, perante quem prestou o seu compromisso de honra.

A cerimónia comemorativa realizou-se, em 23 de Abril, na Sociedade de Geografia e constituiu mais uma importante jornada para o Escotismo Português. Esteve presente numeroso público, bem como delegações das Guias de Portugal e do Corpo Nacional de Escutas (assim passara a chamar-se o Corpo Nacional de Scouts, a partir de Agosto de 1935), além de um numeroso contingente dos Escoteiros de Portugal

Da nossa história…(10)

Nova crise associativa (apoiada na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)

Chegados a 1930, os Escoteiros de Portugal estão de novo na iminência de grandes transformações. Após uma fase de grande desenvolvimento, em que se realizaram actividades importantes e se participou activamente em vários acontecimentos de carácter internacional, o entusiasmo dos dirigentes, que acompanhavam e aprendiam o que de melhor se fazia noutros países, levou a um certo frenesim na disputa das ideias e processos de orientação associativa, que naquele tempo se caracterizava pela excessiva centralização das decisões na figura do Comissário Nacional. Do salutar confronto de ideias, cedo se passou para azedas disputas e desagradáveis cisões.

Não é muito fértil a informação que podemos retirar das publicações escotistas da época sobre os motivos dessas disputas, dada a formação cívica e escotista da maioria dos dirigentes e a sua preocupação em servir a AEP, que todos afirmavam estar acima das suas divisões. Nem mesmo o conceituado “Sempre Pronto”, aparecido em Janeiro de 1945, se ocupou alguma vez em aprofundar a história daquele período associativo, não obstante a proximidade temporal que lhe permitiria obter testemunhos directos dos intervenientes e com eles conseguir uma análise exacta dos acontecimentos, o que hoje lamentamos, tal como o desaparecimento dos arqui-vos dos Serviços Centrais.

Como único sinal do diferendo, talvez mais efeito do que causa, terá ficado a publicação simultânea de dois jornais – “O Escoteiro” e “Escotismo” - ambos se afirmando defensores das causas associativas, mas onde se liam comentários reveladores das discordâncias existentes.

A polémica agravou-se com a publicação, em 5 de Abril de 1930, de uma Ordem de Serviço do Comissário Nacional, com a aplicação de severos castigos a diversos dirigentes com larga folha de serviços e reconhecido prestígio, que reagiram pondo em causa a orientação associativa.

Estava instalada a crise. Tanto “O Escoteiro” como o “Escotismo” suspenderam a publicação com os números de Dezembro, não sem que este avançasse com a proposta de um candidato à Presidência da AEP, apontando a figura prestigiada do dr. João de Barros, afirmando tratar-se de uma deliberação tomada pelos Grupos de Lisboa, com vista ao “dia em que se verificar a mudança da actual situação associativa, desdobrando-se, como é mister, o cargo de comissário nacional”, batendo-se pela realização de uma Conferência Nacional.

Porém, a crise que a AEP atravessava provocou, como acontece por vezes nestas circunstâncias, a aproximação de antigos e prestigiosos dirigentes, que procuraram restabelecer a harmonia e resolver os problemas associativos.

A Conferência Nacional veio a realizar-se em Dezembro de 1931, convocada por livre iniciativa da Direcção Central, dando satisfação aos anseios da maioria dos dirigentes e decorreu em ambiente de respeito e fraternidade, alheia ao recente conflito, aprovando o novo Estatuto, que foi depois homologado pelo Decreto nº. 21397, de 23 de Junho de 1932, operando a desejada mudança na estrutura associativa.

Pena foi que todo o conflito desenvolvido tivesse levado ao afastamento do dr. Alfredo Tovar de Lemos, dirigente de elevado prestígio que prestara relevantes serviços nos dez anos que estivera à frente dos Escoteiros de Portugal. A sua carta de demissão de comissário nacional, “por discordar de quanto se fez na Conferência de Dirigentes, pela sua imutabilidade e inoportunidade”, constava do expediente da reunião de 25 de Janeiro de 1932 da nova Comissão Executiva, presidida por Fausto Salazar Leite, que resolvera manter nas suas funções o secretário geral Albano da Silva e o comissário das Relações Internacionais Sigvald Wiborg. Foi ainda resolvido não prover o cargo de comissário nacional e convidar o dr. Sá Oliveira, comandante Álvaro Melo Machado, capitão Azinhais Mendes, Roberto Moreton, dr. Gomes dos Santos e dr. Valentim Lourenço, para tomarem parte nas sessões da Direcção Central, dando o seu parecer nos assuntos importantes. Mais tarde, foram convidados a integrar esta comissão de notáveis, o dr. João de Barros e o engº. Teixeira de Vasconcelos.

Após a remodelação ditada pela Conferência de Dirigentes, a AEP entrou de novo num período de estabilidade, que deu lugar a um novo surto de desenvolvimento. Mas o principal resultado da Conferência foi a transformação profunda das estruturas associativas, que constituía o objectivo dos dirigentes em oposição à antiga Direcção Central. Além da já citada Comissão Executiva, eram os seguintes os órgãos dirigentes da AEP:

a) Conferência de Dirigentes, constituída principalmente pelos representantes dos grupos de escoteiros e representantes de instituições de antigos escoteiros para estudo e propaganda do Escotismo (FAEP), na qual residia a soberania associativa.

b) Comissão Permanente da Conferência de Dirigentes, nos intervalos das sessões desta, competindo-lhe servir de organismo de recurso das decisões da Comissão Executiva ou seus representantes; promover a constituição de Tribunais de Honra; desempenhar funções de organismo consultivo a que a Comissão Executiva poderia recorrer; fiscalizar as contas; discutir e votar o Regulamento Geral, dentro das normas orientadoras que a Conferência Nacional aprovasse.

A Associação dos Escoteiros de Portugal entrou, assim, numa estrutura democrática que veio, no futuro, evitar problemas como aquele de que o Movimento acabara de
sair.



ALBANO DA SILVA


Albano da Silva entrou para o Grupo n.º 1 da AEP em 1915, com a idade de 13 anos, tendo prestado o seu Compromisso de Honra em 31 de Julho seguinte.
Entusiasta e dedicado ao Movimento, viveu com os camaradas do seu Grupos os chamados tempos heróicos do Escotismo em Portugal. Sempre presente e activo nas inúmeras actividades do seu Grupo, adquiriu uma sólida formação escotista, tendo sido escolhido para participar, em 1920, no 1º Jambori Mundial, em Londres, e esteve igualmente presente no 2º Jambori Mundial, na Dinamarca e no 3º Jambori Mundial, em Birkinhead, Inglaterra.

Conquistou o diploma de escoteiro chefe no Campo Escola realizado em 1922/23, tendo então sido nomeado chefe do Grupo n. 1, cargo que desempenhou até 1925.

Mas foi como dirigente associativo que mais se distinguiu, dado o seu espírito organizado, poder de iniciativa e superiores qualidades nas relações humanas, granjeando amigos que admiravam a fineza da sua personalidade e o aprumo que o caracterizavam, escutando as suas palavras e seguindo os seus conselhos. Participou nas mais diferentes equipas directivas dos Escoteiros de Portugal, ocupando durante largo tempo o cargo de secretário-geral, que desempenhou com uma eficiência e carinho tais que, nesse tempo, ninguém podia conceber os Serviços Centrais sem a sua presença, salientando-se sempre a sua lealdade aos Princípios e a sua dedicação sem limites, que tornavam a sua acção apreciada e respeitada por todos, considerando muitos ser imprescindível a sua participação associativa.
Não cabe nesta breve resenha todo o historial escotista deste companheiro, que foi sem sombra de qualquer dúvida uma das mais importantes figuras dos Escoteiros de Portugal.

Aderente à ideia de criação da FAEP, em cujo esboço organizativo participou. A Fraternal teve sempre nele um membro e colaborador dedicado, sempre presente, em corpo ou em espírito nas actividades dos antigos escoteiros. Fez parte dos corpos gerentes e representou Portugal em reuniões internacionais da “Fellowship”, mantendo activa correspondência com companheiros no estrangeiro. Grave enfermidade diminuiu-lhe a visão e fê-lo afastar-se das suas leituras, mas o amor pelo Escotismo acompanhou-o até aos seus últimos dias.