sábado, 26 de março de 2011

Da nossa história...14

O difícil retomar da
caminhada

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 31908, em 9 de Março de 1942, desapareceu a ameaça da extinção do Movimento Escotista em Portugal, mas a actividade dos grupos de escoteiros continuou muito difícil.

Jorge Pereira Jardim, dirigente de prestígio, que fora nomeado Chefe Regional de Lisboa, procurava desenvolver actividades na zona a seu cargo, mas conotando-as com uma certa filosofia da época. Organizou a Defesa Passiva e constituiu um contingente bem treinado, especializado nos socorros de defesa civil. Estava-se em pleno período da guerra e este contingente mobilizara o entusiasmo de alguns escoteiros e a atenção do público. O contingente foi equipado com capacetes de aço, máscaras antigás e macas e realizou treinos intensivos, atraindo a atenção do público.

Um acampamento regional, em LisboaA Região promoveu em 1944 um acampamento que decorreu no pinhal da Escola Salesiana do Estoril, durante mais de uma semana, actividade que ganhou certo relevo. Conjuntamente com os demais, participaram neste acampamento dois Grupos anexos a igrejas evangélicas, com pleno conhecimento da direcção da Escola, que não colocou quaisquer objecções, chegando a visitar os campos daquelas unidades com manifestações de simpatia, como certamente terá feito aos restantes. Apesar do seu entusiasmo e da boa aceitação por parte dos dirigentes escoteiros, Jorge Pereira Jardim abandonou aquele cargo pouco tempo depois.

No Norte, Amânio Salgueiro Jr. intensificava a sua actividade, mas exteriorizando com demasiada evidência uma ideologia que pouco tinha a ver com os princípios esco-tistas. A exaltação da raça, presente nas canções que criara para os escoteiros, o seu pendor para o autoritarismo e a sua simpatia pelas doutrinas nazis, estavam pouco conformes com o método do Escotismo. Os conflitos com as chefias dos Grupos eram constantes, o que levou à expulsão de alguns dirigentes e ao enceramento de Grupos.

Apesar disso, promoveu anualmente alguns concursos inter-patrulhas, que estimulavam o interesse dos jovens e realizou a primeira Escola Regional de Guias, actividades que mereceram registo pela sua utilidade.

Todavia, os Serviços Centrais funcionavam mal e não produziam actividades nem estímulos que agitassem a acção dos grupos, onde os chefes mais dedicados procuravam remar contra a maré, numa afirmação do seu carácter e do ideal do movimento, fazendo o que podiam para demonstrar aos seus rapazes e ao público em geral, as realidades do Escotismo e a sua importância na educação dos jovens. Mas a sua acção era condicionada, pois logo que procuravam dar alguma publicidade às actividades que promoviam, eram chamados e repreendidos para não fazerem propaganda.

Nomeações de novas chefiasEntretanto, foram chamados para adjuntos do Chefe Nacional (Luís Tovar de Lemos) David Baudouin e Amâncio Salgueiro Jr., que acabara de fixar residência em Lisboa, abandonando, por isso, a Chefia Regional do Norte.
Em 16 de Novembro de 1944, José Maria Nobre Santos era nomeado Chefe Regional do Centro, de acordo com a nova organização regional associativa, que contemplava apenas três Regiões para o Continente, a saber: Norte, que cobria todo o norte do País chegando até Coimbra; a do Centro, e ado Sul. A chefia regional do Norte era confiada a Aníbal Tomás dos Santos.

Em Março seguinte é a vez de Luís Tovar de Lemos se desligar do cargo de Chefe Geral, lugar logo ocupado por Amâncio Salgueiro Jr..

Mas a actividade associativa, conduzida por Amâncio, caminha de mal a pior. Em 28 de Maio de 1945 extingue os serviços regionais e, em 19 de Julho seguinte, volta a organizá-los, confiando a Magalhães Ferraz a chefia de Lisboa e a Manuel Ferreira Coelho a do Norte.

A vida associativa corria mal e a desconfiança instalara-se no seio dos dirigentes, divididos nos seus conceitos de orientação do movimento.

O Presidente da direcção fragilizava a acção directiva com as suas manifestações de fidelidade à Organização Nacional, sempre que ia a despacho com Marcelo Caetano, o que provocava a troça de muitos que discordavam de tal subserviência.

JAMBOREE DA PAZConhecido o ambiente que se vivia no seio da AEP, não será difícil perceber a falta de atenção dispensada pelos responsáveis associativos à realização de um grande acontecimento escotista mundial, como foi o Jamboree da Paz, que teve lugar em Moisson, França, durante o mês de Agosto de 1947 e reuniu cerca de 40.000 escoteiros. Efectivamente, apesar do grande interesse que despertou entre os escoteiros e não obstante os alertas lançados atempadamente pelo jornal “Sempre Pronto”, que desenvolveu um grande esforço de mobilização do meio escotista português para o envio de um contingente a representar os Escoteiros de Portugal, chegando a lançar nas suas colunas um peditório para custear a viagem de alguns escoteiros, a apatia directiva impediu que tal acontecesse.

Tratou-se de um acontecimento grandioso, que para além de constituir a maior reunião escotista até então conseguida, tinha o especial significado do incitamento à Paz e concórdia entre as nações, por ser o primeiro que se realizava após o fim da terrível guerra que dividira os povos e matara milhões de cidadãos em todo o mundo.

Atraídos por tão importante acontecimento, que por nada desejariam perder, deslocaram-se a expensas suas, os seguintes dirigentes: Alberto Teixeira Brás, Armando Lino, Carlos Mexia de Castro Paiva, Ernesto Clímaco do Nascimento, Henrique Alves de Azevedo, João Miranda Trigueiros, Jorge Brotas Cardoso e Mário Rocha Santos. Também os três responsáveis do neófito jornal “Sempre Pronto”, Eduardo Ribeiro, Capitolino Macedo e Joel Ribeiro, custearam as suas próprias viagens para observar e relatar o grande acampamento, mas na qualidade de jornalistas credenciados pela organização do Jamboree.

Todavia, jovens escoteiros, que muito teriam a aprender com uma actividade tão grandiosa, estabelecendo contactos com milhares de outros jovens das mais diferentes origens, raças e religiões, dando testemunho das qualidades e virtudes da juventude portuguesa, esses não houve preocupação oficial de garantir a sua presença.

Novo Presidente da AEPEntretanto, multiplicaram-se os contactos entre os dirigentes escotistas que se preocupavam verdadeiramente com o prestígio e dignidade da AEP e foram feitas díligências junto do engº. Jorge Pereira Jardim para que aceitasse a sua candidatura para presidir à Direcção dos Escoteiros de Portugal.

Não recusando a ideia, Jardim exigiu apenas que fosse o Presidente em exercício a abandonar voluntariamente o seu cargo, tornando a sucessão difícil porque Álvaro Afonso dos Santos, apesar do desprestígio em que caíra e da pressão exercida por mui-tos dirigentes, se recusava a abandonar o cargo.

Até que em Abril de 1948, um facto externo contribui para a solução daquele im-passe. Afonso dos Santos fora nomeado para desempenhar uma função oficial no estrangeiro e os chefes escoteiros celebraram com algum júbilo a sua saída.

Para acelerar o processo eleitoral, este foi pela primeira vez realizado por corres-pondência e, após consulta a todos os Grupos por via postal, Jorge Pereira Jardim foi eleito por unanimidade.

A partir daquele momento, uma nova esperança se abria no futuro da AEP. O eng. Pereira Jardim, apesar da sua proximidade ao regime politico vigente era um dirigente escotista considerado por todos e um escoteiro convicto, merecedor da confiança da grande maioria dos dirigentes. Socorremo-nos da reportagem do jornal “Sempre Pronto”, órgão de imprensa escotista, independente, surgido em Janeiro de 1945, oferecendo assim actualidade à importante cerimónia da posse do eng. Jardim:
“A Posse do novo Presidente dos Escoteiros de Portugal teve lugar no dia 31 de Maio de 1948, na Sede Central e na presença dos diversos órgãos associativos, dos antigos presidentes da AEP Alfredo Tovaar de Lemos e Francisco Cortez Pinto e do Sr. Lima Santos, representante do CNE. A posse foi conferida pelo Sr. Alexandre Ascenção Cardoso, em representação do Presidente cessante, que teve palavras de elogio para o sr. Eng. Jardim. No mesmo sentido discursaram os drs. Tovar de Lemos e Cortez Pinto, que enalteceram as qualidades de carácter e competência do novo Presidente, felicitaram os escoteiros pela boa escolha que tinham sabido fazer e afirmaram a sua confiança no futuro do movimento escotista em Portugal.

O sr. Lima Santos disse que trazia à AEP e ao seu Presidente as felicitações do CNE e mostrou a sua satisfação pelas relações fraternais das duas associações escotistas portuguesas.

Finalmente o engº. Jardim agradeceu as palavras amigas que a seu respeito tinham sido proferidas e a presença de todos que tinham querido honrar o acto. Fez um discurso em que focou as circunstâncias que o tinham levado a aceitar o cargo para que fora eleito e definiu as normas porque iria orientar o trabalho associativo…”.

A vida dos Escoteiros de Portugal reactivou-se. No dia 16 de Junho, na presença de muitos chefes dos Grupos de Lisboa e representantes dos dirigentes das outras regiões o novo Presidente deu posse aos seguintes dirigentes: a chefia geral foi entregue ao engº Brotas Cardoso; Amadeu Cândido Braga, um veterano do escotismo nortenho, foi nomeado chefe regional do Norte; António Mira Cahau designado para chefe regional do Centro. O chefe da região do Algarve, João Lobo Miranda Trigueiros, não tomou posse neste acto por se encontrar ausente do País.

O Movimento foi animado por uma onda de entusiasmo, da qual viriam a brotar a organização de reuniões internacionais, pela primeira vez em Portugal.

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