domingo, 30 de janeiro de 2011

Da nossa história…(13)

Escotismo fica sujeito à tutela da Mocidade Portuguesa - apoiado na "História dos Escoteiros de Portugal" de Eduardo Ribeiro.

Não eram de todo agradáveis as perspectivas que se apresentavam ao Presidente da Comissão Executiva, dr. Alfredo Tovar de Lemos, o prestigiado dirigente associativo que nos anos vinte operara uma verdadeira transformação da AEP, promovendo o seu desenvolvimento e prestígio nacional.

Os Escoteiros de Portugal haviam ultrapassado, com algum brilhantismo, a primeira prova de força a que haviam sido submetidos, mas o Escotismo, apesar de continuar a ser visto pelo público com muita simpatia, era apenas tolerado e olhado com desconfiança pelo Governo que, apesar do grande empenhamento e das elevadas somas gastas nos programas de instalação da Mocidade Portuguesa, a organização nacional de enquadramento político que arrastava multidões de adolescentes, obrigados a participar nas suas actividades, que se colavam às obrigações escolares, sem motivação e sem alma. Era já uma organização moribunda, vestida rigorosamente pelo figurino do nazismo alemão, onde apenas as especialidades como a vela, hipismo, escola de aviação e outras actividades do género (disputadas pelas classes privilegiadas), conseguiam atrair os jovens de mais idade.

Este clima não ajudava a desenvolver o Escotismo, que continuava a sofrer perseguições e agravos, sem qualquer acompanhamento da imprensa que reduzia o seu noticiário ou o escondia nas páginas mais discretas.

O dr. Tovar de Lemos não conseguia criar as condições para aplicar as suas excepcionais qualidades de dirigente escotista, tal como já o fizera vinte anos antes. Até porque em 17 de Fevereiro de 1939, surge o Decreto n. 29453, que no seu artigo 36º, determina: “à data da entrada em vigor do presente decreto, consideram-se extintos todos os grupos de escoteiros existentes nas colónias”.

Nas colónias portuguesas estava-se então verificando o acentuado crescimento das actividades escotistas, podendo calcular-se áquela data a existência de largos milhares de escoteiros, membros das duas associações, AEP e CNE. Só em Moçambique, onde o competente e activo dirigente capitão Ismael Mário Jorge ocupou o cargo de Comissário Regional desde 1929 até à extinção, um relatório oficial referia que o censo de escoteiros naquela colónia era o seguinte: Lourenço Marques -2300; Beira – 1100; Namacha – 380; Inhambane – 100; Diversas localidades – 300; total 4180.

Soube-se depois que outro decreto idêntico estivera preparado para entrar em vigor em Portugal (Continente e Ilhas), mas não chegou a ser publicado, ignorando-se se im-pedido pelas mesmas influências de acontecimentos anteriores. Sabe-se apenas que existiram contactos de escoteiro de muito prestígio e que também o Cardeal Cerejeira se terá interessado pelo assunto. De certo, sabe-se apenas que Salazar não assinou o decreto já redigido. E o Escotismo continuou em Portugal… ainda que com todas as dificuldades e numa situação bastante indefinida.

O Acampamento dos Centenários
Um acampamento Nacional, teve lugar em Setembro de 1940, em Lisboa, em terrenos anexos ao Hospital Colonial, na Junqueira. Foi chamado dos centenários por se come-morarem nesse ano o 8º Centenário da fundação da nossa nacionalidade e o 3º centenário da restauração da independência.

O acampamento realizou-se naquele local para ficar perto da exposição do Mundo Português, situada nos terrenos de Belém, à qual os escoteiros tinham garantido serviços de apoio cívico.

Estiveram presentes escoteiros do Norte, Centro e Sul do país, mas as condições do local não se adaptavam a uma actividade daquele tipo, pelo que o acampamento não alcançou grande nível, valendo aos escoteiros o clima de festa que se fazia sentir naquele local e a grandiosidade da exposição a que tiveram a oportunidade de assistir.

Novos rumos
Com o decorrer dos anos, tornara-se evidente que a Mocidade Portuguesa não conseguia mobilizar o entusiasmo dos jovens nem conquistar a simpatia da população em geral, independentemente da facilidade com que recrutavam os seus filiados, inscrevendo obrigatóriamente todas as crianças e jovens que frequentavam as escolas primárias e secundárias do país. A arrogância e fanatismo político dos seus dirigentes, perturbava e corroía o ambiente social.

Os grupos de escoteiros sofriam o peso desse ambiente e confrontavam-se constantemente com as dificuldades e afrontamentos que recebiam dos agentes governamentais e só os chefes mais ousados e com elevada estatura moral e cívica, insistiam em praticar o Escotismo e a resistir à constante pressão que sobre eles se exercia para aderirem à organização nacional, o que lhes acarretava sérios próblemas pessoais e fortes dúvidas quanto ao regular funcionamento dos grupos.

No início de 1942, perante o evidente falhanço da M.P. o Governo decidiu convidar Marcelo Caetano, figura de alguma evidência no regime, para o cargo de Comissário Nacional da organização. Marcelo aceitou e, logo que assumiu o cargo, providenciou o Decreto-Lei n. 31908, publicado em 19 de Março de 1942, o qual veio submeter à tutela da M.P. todas as organizações “que tenham por objectivo a educação cívica, mo-ral e física da juventude”.

Marcelo fora escoteiro no Grupo n.º 11, que existiu no Liceu Camões e participou no 1.º Curso de Chefes da AEP, que decorreu em 1922 na Escola Normal de Benfica, por iniciativa do dr. Alfredo Tovar de Lemos, por quem veio a ser convidado, em 1923, para integrar uma das muitas Comissões então criadas (Comissão Jurídica?), para apoiar a Comissão Executiva no desenvolvimento associativo. Mas, havia sido conquistado pelas novas teorias do nacionalismo, tornando-se um dos seus teóricos.

Daí que, não hostilizando o Escotismo, entendeu que este deveria submeter-se à nova Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, criando-lhe toda a espécie de limitações e entraves ao seu natural desenvolvimento.

O texto do Decreto-Lei espelhava os ideais do totalitarismo que governava o país, onde o fanatismo de uns quantos, mascarado de heróico patriotismo, destruía os conceitos de igualdade, civismo e cidadania, valores civilizacionais de um povo, nos quais assentam os ideais escotistas. Assim, instituições e dirigentes ficavam sujeitos à disciplina do Governo que poderia ir ao pormenor de destituir dirigentes, autorizar ou não a abertura de centros ou grupos, aprovar ou não regulamentos e, sobretudo, obrigar a que os chefes ensinassem aos seus educandos os ideais do “Estado Novo”, o que contrariava a afirmada neutralidade política do Escotismo.

As associações já existentes dispunham apenas de 30 dias para requerer ao comissário nacional da M.P. a aprovação dos seus estatutos, mas a AEP deixou correr o prazo sem cumprir essa obrigação.

O dr. Alfredo Tovar de Lemos preferiu abandonar serenamente o seu cargo.

Porém, as disposições da lei não chegaram a ser aplicadas, já que, de entre os dirigentes de que a AEP ainda dispunha, se alinharam para a sucessão directiva algumas figuras mais próximas do regíme, aos quais foi possível o diálogo com Marcelo Caetano, com quem começaram a concertar os novos estatutos. Este fez-lhes saber que deveria ser retirada dos estatutos a designação de comissário, que foi substituída (com vantagem, achamos) por Escoteiro-chefe.

Marcelo impôs, ainda, o afastamento de Franklin Oliveira, o que surpreendeu, porquanto Franklin era oficial legionário não obstante o seu cargo na AEP, o que revelava certa faceta do seu carácter.

Mas os estatutos foram apresentados e, depois da sua aceitação pela M.P., aprovados pela Ordem de Serviço n. 14, de Abril de 1942.

Remodelada a Direcção da AEP, voltava a presidir o capitão Álvaro Afonso dos Santos, figura de toda a confiança do Estado Novo. Para Escoteiro Chefe-geral, foi nomeado Luís Grau Tovar de Lemos, antigo chefe do grupo n.º 2, há muitos anos ligado ao Escotismo, mas que ingressara na M.P. da qual era dirigente. A chefia regional de Lisboa foi confiada ao Engº Jorge Jardim, também dirigente da M.P.. Na chefia regional do Porto ficou Amâncio Salgueiro Jr.



Decreto-Lei n. 31908
Usando da faculdade conferida pela 2ª parte do n.º 2º do artigo 109º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º - Todas as organizações, associações ou instituições que tenham por objecto a educação cívica, moral e física da juventude carecem, para se constituir e poder exercer actividade, de aprovação dos estatutos pelo comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 2º - As referidas organizações ficam sujeitas no exercício da sua actividade à direcção e fiscalização do comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, ao qual compete:
Sancionar a designação dos dirigentes superiores das organizações;
Autorizar a abertura e o funcionamento de quaisquer centros, grupos, núcleos ou delegações;
Aprovar todos os regulamentos e instruções aplicáveis às actividades educativas;
Pedir aos dirigentes todos os esclarecimentos que reputar necessários;
Destituir os dirigentes que tenham violado as disposições legais ou estatutárias, desobedecido às instruções recebidas ou não ofereçam garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado;
§ único. Das decisões do comissário nacional a que se refere o n.º 5 deste artigo cabe recurso para o Ministério da Educação Nacional.
Artigo 3º - As organizações a que se refere este decreto-lei têm o dever de cooperar com a Organização Nacional Mocidade Portuguesa na realização dos seus fins, e serão extintas por portaria do Ministro da Educação Nacional desde que, em inquérito, se prove que não estimulam nos seus afiliados o sentimento patriótico e o culto dos ideais do Estado Novo português.
Artigo 4º - As organizações, associações e instituições existentes à data da publicação do presente decreto-lei que se proponham, por qualquer forma promover a educação cívica, moral e física da juventude portuguesa deverão no prazo de trinta dias requerer ao comissário nacional da Mocidade Portuguesa a aprovação dos seus estatutos e a sanção para os seus corpos gerentes.
§ único. Na falta de requerimento dentro do prazo legal, considerar-se-ão as organizações extintas e serão arrolados os seus bens, que reverterão para a Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 5º - Fica revogada a legislação especial referente à Organização Escotista de Portugal, Associação dos Escoteiros de Portugal e Corpo Nacional de Escutas.
Publique e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 9 de Março de 1942
António Óscar de Fragoso Carmona
António de Oliveira Salazar, etc.


Os novos dirigente associativos entenderam conveniente que a Direcção e os chefes dos grupos de Lisboa fossem apresentar cumprimentos a Marcelo Caetano, que os recebeu afavelmente, afirmando a sua admiração pelo Escotismo e reconheceu que “na sua opinião não se tinha até então criado qualquer movimento de formação da mocidade, que não tivesse aproveitado alguma coisa das ideias do fundador do Escotismo”.

Acrescentaríamos nós que só foi pena que nunca chegassem a apreender o verdadeiro sentido de tais “ideias”, situando-se sempre longe dos verdadeiros ideais que caracterizam a extraordinária obra de B.P.

Marcelo, na sua convicção sectária, fazia efectivamente uma ideia errada do Escotismo, achando que “fomentava o individualismo e este
constituía um defeito da gente portuguesa, pelo que não devia ser aplicado”.


Fazia, assim, por ignorar os ensinamentos do Curso de Chefes que frequentara em 1922, onde teria aprendido a diferença entre Escotismo, que desenvolve a personalidade do jovem e as organizações de massas que procuram anular o indivíduo.

Ao terminar a reunião, Marcelo não deixou de insistir com os dirigentes para ingressarem na Mocidade Portuguesa, convite que continuou a
encontrar resistência em grande parte dos chefes dos grupos.

1 comentário:

Filipe Campêlo disse...

Bravo, bravíssimo!
Ganharam mais um leitor atento do vosso blog e da nosso História.
Filipe Campêlo
ECG 234 Beja